Correio Braziliense, n.21128 , 30/03/2021. Política, p.2/3

 

Reforma ministerial ao agrado do Centrão

Ingrid Soares

Luiz Calcagno

Augusto Fernandes

Israel Medeiros

30/03/2021

 

 

PODER » Bolsonaro cede às exigências do grupo liderado por Arthur Lira e promove “freio de arrumação” no governo

O presidente Jair Bolsonaro entendeu o recado. E, em apenas um dia, tratou de mudar a equipe ministerial para atender às exigências de quem mencionou “remédios políticos amargos” e alertou para a necessidade de se fazer um “freio de arrumação”, a fim de evitar danos maiores ao governo e ao país. Algumas demissões eram mais do que aguardadas, como a saída de Ernesto Araújo, expulso da Esplanada após entrar em choque frontal com senadores. Também estava prevista uma abertura para o Centrão, que já havia indicado até uma titular para o ministério da Saúde. Mas outras substituições surpreenderam. Pressionado pelos efeitos políticos de uma pandemia que já matou mais de 300 mil brasileiros, Bolsonaro decidiu trocar não apenas um, mais seis ministros, entre demissões e remanejamentos. Ficou ainda mais ligado ao Centrão e elevou a tensão com os militares (leia mais na página 3).

 A demissão de maior impacto foi a do general Fernando Azevedo e Silva. A declaração do ex-ministro da Defesa de que preservou as “Forças Armadas como instituições do Estado” abriu o segundo flanco da crise política -— a queda de braço entre os militares e o Planalto. Ao longo do dia, a Esplanada foi ganhando novos contornos. Em questão de horas, Bolsonaro mexeu na Casa Civil; na Secretaria de Governo; na Advocacia-Geral da União; no Ministério da Justiça. Com a saída de Azevedo e Araújo da Defesa e do Itamaraty, o presidente trocou seis casas.

A reforma significa a entrada do Centrão no Palácio do Planalto. A Secretaria de Governo da Presidência da República ficou com a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF). Ela será a responsável pela articulação política do governo, em substituição ao general Luiz Eduardo Ramos. Ele foi para a Casa Civil, com a transferência do general Braga Netto para a Defesa.

A dança das cadeiras também passou por André Mendonça, que estava no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ele volta para a Advocacia-Geral da União (AGU), cargo que ocupou até abril do ano passado. Mendonça substituirá José Levi, demitido após não ter assinado  ação do presidente Bolsonaro apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra governadores. 

No posto do Ministério da Justiça e Segurança Pública assume o delegado da Polícia Federal Anderson Gustavo Torres, que era Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.

Congresso

Deputados e senadores viram com ceticismo as mudanças feitas por Jair Bolsonaro no governo. Para parlamentares, Bolsonaro passou três sinais, e nenhum deles é positivo. A presença da deputada Flávia Arruda na Secretaria de Governo, por exemplo, é a indicação do relacionamento do presidente da República com o Centrão. As trocas na Defesa apontam uma tentativa de aparelhamento das Forças Armadas. E o retorno do ministro da Justiça, André Luiz de Almeida Mendonça, para a Advocacia Geral da União passa a mensagem de que Bolsonaro precisa se blindar de crises futuras. Chamou a atenção, também, que nenhuma das alterações tem por objetivo, por exemplo, conter o avanço da pandemia de coronavírus. Sobre o Itamaraty, quase todos disseram que a permanência de Ernesto Araújo era “insustentável”.

Vice-líder do grupo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o deputado José Nelto (Podemos-GO) afirmou que o rearranjo no Executivo é resultado direto do discurso de Lira na semana passada. “Não tenha a menor dúvida. O Lira mandou um recado e o presidente abriu as portas do Palácio para o Centrão. Sem apoio político, ninguém governa ”, afirmou.

O deputado Hildo Rocha (MDB-MA) destacou que, apesar da dança das cadeiras, há pouca alteração real no governo, que “trocou seis por meia dúzia”. “Você leva o Braga Netto para o Comando do Exército, ele já estava na Casa Civil. Leva o Ramos para a Casa Civil, ele já estava articulação política. Poucas mudanças aconteceram”, opinou.

Para Hildo Rocha, Flávia Arruda terá dificuldades de lidar com outros ministros, principalmente, por conta da forte carga ideológica dos nomes próximos a Bolsonaro. “Vão queimar a Flávia. Os ministros não respeitavam o Ramos, não vão respeitá-la”, opinou.

O líder do Podemos no Senado, senador Álvaro Dias (PR) afirmou que Bolsonaro tenta retomar as rédeas do poder sobre o Ministério das Relações Exteriores e o da Defesa. “Em relação ao MRE, havia uma pressão forte dos próprios diplomatas, além dos políticos. O ambiente estava conturbado. Nas Forças Armadas é um pouco diferente, porque o ministro adotou postura de independência e não colocou as coporações a serviço do governo. Isso contrariou o presidente. A Flávia Arruda é o centrão assumindo o comando da política de governo. Dominando a articulação política. O centrão está podendo, e o presidente está olhando o palanque de 2022. Está fazendo uma opção declarada pelo centrão”, ponderou.

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Foi bom ser pária

30/03/2021

 

 

Considerado persona non grata no Senado e apontado como responsável ou cúmplice de diversos episódios lamentáveis da  diplomacia brasileira, Ernesto Araújo encerra passagem melancólica na chefia do Ministério das  Relações Exteriores. Em um de suas passagens de triste memória, o ex-chanceler disse que se a  atual política externa fazia do Brasil um pária, “que sejamos esse pária”. “É bom ser pária. Esse  pária aqui, esse Brasil”, continuou.

Ontem, em carta entregue ao presidente, Ernesto disse que deixou a pasta porque, nos últimos dias,  “ergueu-se contra mim uma narrativa falsa e hipócrita, a serviço de interesses escusos nacionais  e estrangeiros, segundo a qual minha atuação prejudicaria a obtenção de vacinas”. “Exibi todos  os fatos que desmentem tais alegações, mas infelizmente, neste momento da vida nacional, a  verdade não importa para as correntes que querem de volta o poder — esse poder que, durante as décadas em que o exerceram, só trouxe ao Brasil atraso, corrupção e desgraça”, reclamou o chanceler.

Assessor especial do presidente Jair Bolsonaro, o diplomata Carlos Alberto Franco França foi  escolhido para substituir Araújo. Em um primeiro momento, o nome do embaixador agrada às  classes diplomática e política, em razão do perfil moderado. Entretanto, França terá de  mostrar competência. Assim como Ernesto Araújo, nunca chefiou uma representação do Brasil no  exterior.

França desbancou favoritos ao cargo de Ernesto, como o do embaixador do Brasil em Paris, o  diplomata Luís Fernando Serra, que iniciou sua carreira em 1972. Além da representação na  França, Serra foi embaixador do Brasil na Coreia do Sul, em Singapura, em Burkina Faso e em Gana,  além de já ter ocupado cargos nas embaixadas brasileiras na Alemanha, na Rússia, no Vaticano, na Tunísia e no Chile.

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Azevedo, militar de Estado

Renato Souza

30/03/2021

 


Em uma conversa rápida, que durou menos de cinco minutos no Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro demitiu o então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. Com o gesto, abriu uma crise com militares, distanciou-se do Supremo Tribunal Federal (STF) e despertou novos críticos no Congresso. Incomodado com a gestão de Azevedo, que não aceitou interferências políticas nas Forças Armadas, e irritado com uma entrevista do general Paulo Sérgio, chefe do Departamento-Geral de Pessoal do Exército, publicada no último domingo pelo Correio, o chefe do Executivo decidiu trocar a gestão na pasta e alçar ao posto o general Braga Netto, que até ontem ocupava a Casa Civil de seu governo. A decisão ocorreu horas após o então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, deixar o governo.

No entanto, ao contrário de Araújo, cujo afastamento era esperado, a demissão de Azevedo surpreendeu o meio político e militar. De acordo com interlocutores do Planalto, o presidente queria trocar o comando do Exército, retirando do cargo o general Edson Leal Pujol. Não é a primeira vez que Bolsonaro faz investidas do tipo — tentou também no ano passado. A troca de um comandante da força terrestre antes da conclusão do prazo de dois anos de gestão é considerada de elevada gravidade no meio militar. O presidente vinha exigindo mais provas da lealdade das Forças Armadas, o que incomodava Azevedo. No domingo, Bolsonaro leu a entrevista com o general Paulo Sérgio e se irritou com o conteúdo.

Ao Correio, o general destacou que a taxa de mortalidade por covid-19 do Exército é de apenas 0,13%, enquanto na população em geral é de 2,5%. Para evitar mortes, a força-terrestre adotou campanhas maciças de distanciamento social, uso de máscaras, isolamento, testagem em massa e investiu pesado em logística para garantir suprimentos hospitalares e equipes médicas nos 60 hospitais da força.
Além disso, o protocolo do Exército prevê o uso de medicamentos recomendados pela OMS e pela Anvisa para tratar doentes internados. O uso de hidroxicloroquina, azitromicina e de outros remédios sem eficácia científica comprovada contra o coronavírus não é indicado. Paulo Sérgio, que é a autoridade máxima de saúde no Exército, também destacou que a força se prepara para uma eventual terceira onda da pandemia, começando por Manaus.

Lealdade e mudanças

Com a saída de Azevedo, o Ministério da Defesa passa a ser ocupado pelo general Braga Netto, que estava na Casa Civil, e é leal ao governo. O temor nas Forças Armadas é de que Braga Netto interfira nas corporações, demita Pujol e aplique punições a Paulo Sergio, trocando-o de área. Em nota pública, Azevedo agradeceu o tempo que permaneceu no governo, mas fez uma crítica indireta às intenções do Executivo, destacando que no cargo, preservou a missão institucional das tropas. "Agradeço ao presidente da República, a quem dediquei total lealdade ao longo desses mais de dois anos, a oportunidade de ter servido ao país, como ministro da Defesa. Neste período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado", disse.

Uma ala dos militares da ativa já estava insatisfeita com o governo e tentava traçar uma linha de atuação após a exposição das instituições por parte das relações entre Bolsonaro e Azevedo. No primeiro semestre do ano passado, o ex-ministro foi levado a sobrevoar manifestações antidemocráticas, e assinou uma nota junto com o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), falando em "consequências imprevisíveis" em razão de se aventar a possibilidade de apreensão do celular do presidente em meio às investigações sobre suposta interferência na Polícia Federal.

Supremo

Azevedo era a ligação do governo com o Judiciário, pois tinha sido assessor do ministro Dias Toffoli, ex-presidente do Supremo. Desde que saiu da Corte para ocupar uma vaga no Planalto, mantinha contatos frequentes com os ministros do Supremo, tanto com Toffoli quanto com o atual presidente do tribunal, Luiz Fux. Ele era visto como um anteparo entre o presidente e investidas antidemocráticas, e uma segurança de que o Exército estaria sempre ao lado da democracia em qualquer situação.

A avaliação no Supremo é de que Azevedo deixou o cargo por não ser ouvido pelo presidente, por ter se recusado a politizar as Forças Armadas e ser contrário a uma abertura ainda maior no governo para o Centrão — grupo que ganha espaço com a troca na Defesa e em outros cinco ministérios. Preocupado com o cenário após a troca de comando na Defesa, o ministro Fux ligou para Azevedo. Ouviu do militar que, mesmo deixando o governo, continuará seu trabalho no Exército para garantir o respeito à Constituição e as responsabilidades como uma instituição de Estado. De acordo com interlocutores de Fux, o presidente do Supremo tranquilizou-se após a conversa. A avaliação na Corte é a de que o general Braga Netto também terá bom diálogo e que a força não vai se curvar às vontades do governo.

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Bolsonaro exige saída de Pjuol

Vicente Nunes

30/03/2021

 

 

O novo ministro da Defesa, Braga Netto, tem encontro marcado com os comandantes das Forças Armadas hoje, às 8h30. Mas, antes mesmo dessa conversa formal, o general Edson Leal Pujol, do Exército, foi avisado de que deverá deixar cargo. O presidente Jair Bolsonaro está irredutível em relação a isso.

Os comandantes da Marinha, Ilques Barbosa Junior, e da Aeronáutica, Antônio Carlos Muaretti Bermudez, podem continuar em suas funções, se assim desejarem. Mas, no Exército, a ordem expressa do Planalto é por mudança. Não há mais diálogo entre o presidente e Pujol, que é contra a politização nos quartéis e defende medidas rígidas contra a pandemia do novo coronavírus.

Pela regras em vigor, os três comandantes, que são escolhidos por meio de listas tríplices, podem renunciar aos cargos. São funções políticas. Esse movimento está colocado entre as alternativas. Tudo vai depender da conversa com Braga Netto, que pedirá um voto de confiança.

O general Fernando Azevedo e Silva, demitido do Ministério da Defesa, era o último anteparo para a retirada de Pujol do comando do Exército. Com a queda do general, será natural a saída do comandante do Exército.
A pressão pela demissão de Pujol aumentou muito nas últimas duas semanas. Bolsonaro queria que o Exército fosse mais pró-governo, com demonstrações públicas nesse sentido, mesmo em relação a falas absurdas como a adoção de um estado de sítio, medida refutada tanto por Azevedo e Silva quanto por Pujol, contrários a posicionamentos políticos por meio das Forças Armadas.

Bolsonaro se sentiu traído. Chamou Azevedo e Silva para uma conversa no Planalto, às 14h. Não lhe deu nem cinco minutos de conversa e o demitiu. A decisão do presidente da República pegou todos no entorno do general de surpresa, pois ele era um dos integrantes do governo que mais defendia Bolsonaro.

O presidente quer usar as Forças Armadas como instrumento do governo. E há uma enorme resistência do pessoal da ativa em ceder às pressões de Bolsonaro. Azevedo e Silva sempre ressaltou que, dos muros dos quartéis para fora, o assunto era com ele e com Bolsonaro. Dos quartéis para dentro, é com os comandantes das Forças.

Quem conversou com Azevedo e Silva diz que ele está tranquilo, pois foi leal com o presidente da República e com os comandantes das Forças Armadas, com os quais conversa pelo menos três vezes por semana. O agora ex-ministro da Defesa afirma a interlocutores que já pressentia sua demissão, diante do aumento da obsessão de Bolsonaro por ter maior intervenção nas Forças.