Correio Braziliense, n.21128 , 30/03/2021. Brasil, p.5

 

Servidores passam à frente na vacinação

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

30/03/2021

 

 

Falta de uma política clara para a imunização de algumas categorias do funcionalismo vem causando problemas ao Ministério da Saúde. Unidades da Federação estão adiantando as forças de segurança e os professores antes das faixas prioritárias para receberem as doses

Apesar de o Ministério da Saúde determinar quais grupos prioritários devem receber a vacina contra a covid-19, a liberdade federativa permite aos governadores mudarem a ordem que é recomendada pela pasta para adequarem à realidade local. Mas isso vem gerando ruídos e críticas, situação típica da ausência de um pacto nacional, de acordo com especialistas. Resultado: o aprofundamento da desorganização da imunização contra o novo coronavírus.

No Distrito Federal, por exemplo, a vacinação de servidores das forças de segurança e da educação foi antecipada. Mesmo estando incluídos no Plano Nacional de Imunização (PNI) estabelecido pelo governo federal, a previsão era de que as categorias só recebessem a primeira dose de imunizante depois de outros grupos, como o de pessoas com mais de 60 anos. A antecipação da vacinação de professores e profissionais da segurança também foi anunciada em São Paulo, na última semana, onde cerca de 530 mil servidores começarão a ser imunizados a partir de 5 de abril.

A priorização por idade ou por categoria podia ser parte de uma estratégia conjunta de vacinação. O erro, na avaliação do epidemiologista e coordenador da Sala de Situação da Universidade de Brasília (UnB), Jonas Brant, é a ausência de um planejamento claro, objetivo e pactuado com a antecedência necessária para não gerar atropelos.

"Hoje, a sociedade fica sabendo de manhã qual o grupo que será vacinado no dia seguinte. Não há estratégia clara e critério objetivo para que, a cada novo lote que chegue, se tenha um destino pronto. Isso cria uma lacuna que propicia pressão social de diferentes grupos de maior influência a conseguirem adquirir prioridade nessa fila", observou.

O ponto de partida, segundo Brant, deveria ser na definição clara dos critérios de risco, priorizando categorias que estão expostas e que não podem parar. "Um exemplo bem objetivo disso são os motoristas de ônibus, todos os dias em contato com milhares de pessoas e que não estão nesse primeiro grupo priorizado, enquanto professores que ainda se preparam para o retorno ganham a frente. Não é que os professores não precisem ser vacinados com prioridade, mas, primeiro, é necessário pensar nos mais expostos neste momento", defendeu.

Linha de frente

A falta de clareza também possibilita que profissionais que não atuam diretamente em contato com o público, ainda que pertença a uma categoria classificada como priotitária, sejam imunizados. "Não é todo profissional de saúde, só por ser da área, que tem que ser vacinado neste momento. O critério precisa ser privilegiar aqueles que estão na linha de frente", disse o gestor de Saúde da Fundação Getúlio Vargas Adriano Massuda.

Outro parâmetro que precisa ser colocado em discussão é a vulnerabilidade socioeconômica. "A população mais pobre é a mais exposta. Esse deveria ser um critério levado em conta, priorizando essas pessoas, além dos idosos e doentes crônicos", salientou.

A ampliação da vacinação de grupos específicos é prevista pelo Ministério da Saúde, que esclarece que, por conta da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (SUS), estados e municípios têm autonomia para "dar vazão à fila de acordo com as características de sua população, demandas específicas de cada região e doses disponibilizadas". Ao todo, o governo federal já distribuiu mais de 34,8 milhões de injeções aos gestores.

Ao Correio, a pasta defendeu que a orientação "é para que estados e municípios sigam a ordem estipulada pelo Plano de Vacinação". "Conforme a Campanha de Vacinação local avança, estados e municípios podem ampliar a imunização dos grupos prioritários, desde que sigam a ordem prevista no Plano", diz o ministério.