Correio Braziliense, n.21128 , 30/03/2021. Economia, p.6

 

Irresponsabilidade fiscal assombra economia

Rosana Hessel

30/03/2021

 

 

ORÇAMENTO 2021 » Com Guedes cada vez mais fraco e o texto recém-aprovado inexequível, especialistas temem descumprimento das regras fiscais e acreditam que Bolsonaro deve vetar série de pontos. Segundo IFI, peça orçamentária estoura teto em quase R$ 32 bilhões

O Orçamento de 2021 aprovado pelo Congresso Nacional na noite da última quinta-feira causou uma crise monumental no governo, e ainda não há sinais de que ela será sanada. Especialistas em contas públicas, parlamentares e técnicos do governo ouvidos pelo Correio reconheceram que o Orçamento é inexequível, porque não há como executar essa peça orçamentária, que tem receitas superestimadas e gastos subdimensionados. A falta de atualização dos parâmetros esconde o tamanho do rombo, e isso pode resultar no descumprimento das regras fiscais, fazendo com que o presidente Jair Bolsonaro corra o risco de cometer crime de responsabilidade.

Nesse sentido, um dos principais problemas é o corte de despesas obrigatórias para abrir espaço para R$ 26,5 bilhões em emendas parlamentares proposto pelo relator. A manobra contábil pode implicar em pedalada fiscal, o que levou parlamentares a acionarem o Tribunal de Contas da União (TCU) para dar um parecer sobre o assunto.

Analistas lembram que o texto foi aprovado após uma reunião de Bolsonaro com os líderes da base no mesmo dia, na residência oficial do Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o que indica que o chefe do Executivo estava de acordo com a proposta do relator, Marcio Bitar (MDB-AC), para cancelar despesas obrigatórias a fim de dar mais espaço para emendas parlamentares, principalmente em obras para o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) — em clara mudança de prioridades, focando em uma estratégia eleitoreira em vez de buscar combater a pandemia.

Por conta disso, essa confusão do Orçamento é vista como uma falha gigantesca na articulação política e um claro sinal de enfraquecimento do ministro da Economia, Paulo Guedes, que não conseguiu barrar a manobra que busca burlar as regras fiscais. Não à toa, fontes do mercado voltaram a apostar até em um fatiamento do superministério criado após a fusão de cinco pastas (Fazenda, Planejamento, Trabalho, Previdência e Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC), como forma de Bolsonaro agradar aos partidos do Centrão enquanto encolhe nas pesquisas de aprovação devido ao agravamento da crise sanitária.

De acordo com Gil Castello Branco, secretário-executivo da Associação Contas Abertas, além de ser uma verdadeira “peça de ficção”, o Orçamento de 2021 traz uma série de problemas: pedaladas fiscais, maquiagem contábil e elementos de contabilidade criativa, e todas com a anuência do presidente. Como não há atualização dos parâmetros nem do salário mínimo para R$ 1,1 mil, criando uma despesa adicional de R$ 11,9 bilhões, que não está prevista, a meta fiscal, que permite um rombo de até R$ 247,1 bilhões nas contas do governo federal, pode não ser cumprida. “No dia da aprovação do texto no Congresso, houve o almoço do presidente com os líderes do Centrão para tratar do assunto. Imagino que todos sabiam desses problemas”, afirmou. Ele apontou como exemplo de contabilidade criativa o fato de o relator tirar R$ 13,5 bilhões de despesas obrigatórias da Previdência para maquiar o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas pela inflação do ano anterior.

Rombo maior

Apesar de a equipe econômica ter sinalizado, no relatório bimestral de receitas e despesas, a necessidade de um contingenciamento de R$ 17,6 bilhões nas despesas para o cumprimento da regra do teto, a Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, apontou um valor maior, de R$ 31,9 bilhões. No estudo, realizado pelos diretores Felipe Salto e Daniel Couri, o primeiro após as críticas de Guedes ao trabalho da entidade, os economistas informam que as despesas discricionárias previstas no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) passaram de R$ 96,1 bilhões para R$ 139,1 bilhões. Contudo o limite da despesa não obrigatória neste ano para que o teto não seja descumprido é de, no máximo, R$ 107,2 bilhões.

“Estamos vendo um Executivo sem liderança e Guedes perdendo espaço na articulação. Está tudo muito complexo, porque o Ministério da Economia perdeu o comando na CMO (Comissão Mista do Orçamento) e no Congresso”, lamentou o especialista em contas públicas e analista do Senado Leonardo Ribeiro. Para ele, Guedes não conseguiu assumir todas as funções do Planejamento e, com isso, fazer um Orçamento mais propositivo, deixando tudo mais ou menos solto. “O ministro continua fazendo propostas de redução de gastos enquanto o agravamento da pandemia exige um Estado mais atutante”, acrescentou.

De acordo com os analistas, se o presidente Jair Bolsonaro sancionar a Lei Orçamentária Anual (LOA) sem fazer os devidos ajustes e um decreto contingenciando despesas que extrapolam as regras fiscais assim que a lei for publicada, poderá cometer vários crimes de responsabilidade, como aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2015, o que culminou no impeachment da petista.

Marcos Mendes, especialista em contas públicas e pesquisador do Insper, reconheceu que há vários crimes de responsabilidade que podem ser cometidos na proposta aprovada pelo Congresso se o Executivo não fizer alterações. “O artigo 1º da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) diz que o Orçamento deve ser aprovado de acordo com as regras e limitações legais. Ao mesmo tempo, se a peça orçamentária não admite o cumprimento do teto de gastos, podemos dizer que o Congresso criou uma situação para o Executivo que interferiu no funcionamento do Executivo, desrespeitando o princípio constitucional de autonomia dos poderes”.

Na avaliação de Mendes, há um desarranjo político enorme entre Executivo e Congresso, e Bolsonaro precisará negociar para fazer as alterações necessárias no texto a fim de não cometer os crimes de responsabilidade. “Os parlamentares foram ao limite máximo de dar dois passos adiante para tentar recuar na negociação com o governo. É um jogo de forçar a barra. E, como o presidente não deu importância para a responsabilidade fiscal, (os parlamentares) acabaram cedendo antes da votação, deixando a equipe econômica refém desse acordo”.

Um dos autores da proposta do teto de gastos, o economista ressaltou que, agora, o presidente pode sancionar o Orçamento com vetos nas emendas propostas pelo relator, mas, como não pode realocar o dinheiro, terá que enviar um projeto de lei ao Congresso (PLN) para recompor as dotações das despesas obrigatórias cortadas. “Mas isso vai depender de um novo acordo com a base em um momento em que a situação fiscal está cada vez mais delicada”.

Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, também não poupou críticas ao Orçamento, especialmente por aumentar despesas sem alocar mais recursos para o enfrentamento da pandemia e pelo fato de o relator cortar despesas obrigatórias. “Eles fizeram uma omissão bilionária no planejamento da LOA de 2021 e vão forçar créditos extraordinários, porque isso amplia o poder de fogo do Executivo em decidir unilateralmente”.

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Parlamentares alertam Tribunal de Contas

Rosana Hessel

30/03/2021

 

 

Os problemas no Orçamento de 2021 estão sendo questionados por parlamentares que enviaram, na tarde de ontem, um ofício para o Tribunal de Contas da União (TCU), criticando a manobra contábil do relator do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), o senador Marcio Bittar (MDB-AC). Para aumentar as emendas próprias, o parlamentar cortou mais de R$ 26 bilhões de despesas obrigatórias, como aposentadorias e abono salarial, elevando os riscos de o presidente Jair Bolsonaro também cometer o crime das pedaladas fiscais.

De acordo com o documento, esse corte de despesas obrigatórias proposto por Bittar “ampliou de R$ 3 bilhões para R$ 30 bilhões o valor concentrado nas mãos do relator”. “Isso significa que a previsão de gastos primários obrigatórios feita pelo Ministério da Economia possui uma diferença de R$ 43 bilhões em relação ao que foi aprovado pela LOA (Lei Orçamentária Anual)”.

No ofício encaminhado à presidente do TCU, ministra Ana Arraes, os parlamentares denunciaram que a LOA de 2021 “não reconhece como prioritárias as ações de promoção de saúde pública, tampouco medidas relacionadas ao enfrentamento e contenção da pandemia de coronavírus”.

Entre os 21 deputados que assinaram o documento, destacam-se Vinicius Poit (Novo-SP), Marcel van Hattem (Novo-RS), Fábio Trad (PSD-MS), Felipe Rigoni (PSB-ES), Júlio Delgado (PSB-MG), Rodrigo Maia (DEM-RJ), Israel Batista (PV-DF) e Tabata Amaral (PDT-SP).

De acordo com Felipe Rigoni, os parlamentares decidiram encaminhar o ofício ao TCU porque o Orçamento aprovado pelo Congresso é “infactível”. “É impossível para o governo cumprir aquele Orçamento sem cometer um crime de responsabilidade. A peça orçamentária força o governo federal a estourar o teto, ou a não pagar despesas obrigatórias, ou a fazer uma pedalada fiscal, o que, de fato, é um absurdo”, comentou o parlamentar capixaba. “Fomos ao TCU para pedir ao órgão que se manifeste e faça uma recomendação de mudança do Orçamento, o que vai dar uma base legal muito mais forte para o presidente vetar partes do Orçamento e, posteriormente, faça um PLN (Projeto de Lei do Congresso Nacional), ajustando tudo aquilo que está incorreto no Orçamento”, acrescentou.

Procurado, o TCU confirmou que recebeu a representação de parlamentares e que a relatoria ficará a cargo do ministro Bruno Dantas, “que acompanha os efeitos da pandemia no orçamento da União”. “O documento será objeto de análise preliminar da unidade técnica do tribunal e nesse momento processual o ministro relator não vai se pronunciar e não será possível disponibilizar porta-voz sobre o tema”, acrescentou o órgão.

O Ministério da Economia, por sua vez, evitou comentar o assunto e manteve a resposta protocolar desde a aprovação do Orçamento de que “os aspectos orçamentários serão analisados após o recebimento do Autógrafo da Lei Orçamentária, a ser encaminhado pelo Congresso Nacional, em razão da necessidade de o Poder Executivo conhecer, oficialmente, os valores e termos finais aprovados pelo Legislativo”.