Correio Braziliense, n.21129 , 31/03/2021. Política, p.2

 

Planalto derruba comando militares

Renato Souza

Ingrid Soares

Luiz Calcagno

Jorge Vasconcellos

Israel Medeiros

31/03/2021

 

 

Bolsonaro demite comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica, que se recusaram a aceitar a politização das Forças Armadas. Presidente do Senado diz não ver riscos de ruptura institucional. Novos ocupantes dos cargos devem ser definidos nesta semana

O presidente Jair Bolsonaro abriu a maior crise de um governo com as Forças Armadas nos últimos 50 anos. Depois de demitir o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, o chefe do Executivo determinou que os comandantes das FAs deixassem as funções. No Exército, sai do cargo Edson Pujol; na Marinha, Ilques Barbosa; e na Aeronáutica, Antônio Carlos Moretti Bermudez. A expectativa é de que os novos ocupantes dos cargos sejam definidos ainda nesta semana, podendo a decisão sair hoje, após indicação do oficialato de cada uma das três instituições.

A demissão dos comandantes foi comunicada em reunião na manhã de ontem, com presença do novo ministro da Defesa, Braga Netto; do ex-ministro Fernando Azevedo; e dos comandantes das Forças. De acordo com fontes militares, a reunião foi tensa, com momentos acalorados e tapas na mesa. Todos veem o ato de Bolsonaro como uma tentativa de intervenção nas Forças Armadas.

De acordo com fontes, Braga Netto já chegou à reunião com a ordem expressa de Bolsonaro para trocar os comandos — o que poderia ocorrer imediatamente ou de maneira escalonada, com período de transição. Os militares se negaram a aceitar qualquer determinação do chefe do Planalto. A decisão foi vista como um desrespeito às FAs, que não aceitaram fazer parte de uma jogada política do Executivo, cujo principal foco seria usar as instituições contra governadores e prefeitos que adotaram medidas restritivas para conter a covid-19.

Mesmo com a saída dos comandantes, a possibilidade de politização das Forças Armadas é descartada por fontes nas instituições. “A avaliação é de que os generais devem deixar o recado claro ao governo de que nenhuma das três Forças vai apoiar ou se aventurar em medidas autoritárias e que as intenções do presidente não terão sucesso, caso ele insista. Isso jamais ocorrerá. Nenhum general de ontem, hoje e sempre permitirá isso”, disse um general, ouvido sob a condição de anonimato.

Outro oficial, do Alto Comando, afirmou que a troca do ministro da Defesa é comum, mas que efetivá-la antes do fim do mandato é visto como um ato de hostilidade e desrespeito. De qualquer forma, ele destacou que as instituições devem manter a independência. “Trocar ministro é normal. Bolsonaro tem essa prerrogativa. Ministro não tem carreira sólida”, defendeu o militar. “É difícil haver interferência nas Forças Armadas, porque, para comandar, a pessoa tem de ter uma carreira brilhante. Não é só chegar e dizer que quer. Um general de quatro estrelas comandou as instituições mais importantes.”

A apreensão é grande, no entanto, em relação aos novos nomeados, já que assumirão sob suspeita de alinhamento político com o presidente. O comando do Exército está no centro das atenções, por ser responsável pela condução de um contingente de 220 mil homens.

O mais cotado para assumir a Força é Décio Luís Schons, chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia.  Ele tem  reunião marcada, hoje, com Braga Netto.

Reação política

O Congresso reagiu às mudanças. Enquanto alguns parlamentares viram ameaças à democracia, outros avaliaram como situações cotidianas. O Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse não ver riscos de ruptura institucional na demissão de Azevedo e na troca de comando das FAs. Para o parlamentar, as mudanças fazem parte das prerrogativas de Bolsonaro. Ele alertou, porém, que não se pode permitir que “fatos paralelos sirvam de cortina de fumaça” para desviar as atenções do principal problema do país no momento, a pandemia.

Pacheco disse confiar que as FAs continuam comprometidas com o respeito à Constituição e ao Estado democrático de direito. “Eu não consigo antever o que é a intenção exata do presidente. Minha visão é de que se trata de uma troca ministerial dentro dos limites da prerrogativa do presidente da República em fazer as suas substituições”, afirmou. O parlamentar falou, também, sobre um requerimento do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), pedindo que Braga Netto seja convidado a dar esclarecimentos ao Senado sobre a troca dos comandos nas Forças. De acordo com ele, o requerimento será discutido na reunião do colégio de líderes, na segunda-feira.

Na avaliação da deputada Sâmia Bonfim (Psol-SP), as mudanças promovidas pelo presidente na Defesa refletem isolamento e a queda de popularidade do chefe do governo. “Bolsonaro se mostra bastante acuado diante do momento em que aumenta a rejeição ao seu governo e que ele não encontrou, nos comandos das Forças Armadas, um ponto de apoio para sua linha autoritária, golpista, mas também obscurantista de lidar com a pandemia da covid-19”, disparou.

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O gambito de Bolsonaro

Luiz Carlos Azedo

31/03/2021

 

 

Uma das características do presidente Jair Bolsonaro é a capacidade de surpreender os adversários e até os aliados quando acuado, como aconteceu na semana passada, em razão do agravamento da pandemia da covid-19 e das dificuldades de seu governo para conseguir as vacinas necessárias para imunizar a população. Depois de ser obrigado a substituir o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, o presidente da República teve de entregar a cabeça do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Entretanto, o que era para ser apenas uma concessão aos líderes do Congresso — especialmente aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) — e aos partidos do chamado Centrão, resultou numa reforma ministerial no âmbito do Palácio do Planalto, na qual Bolsonaro reforçou seu controle sobre as Forças Armadas, com o claro propósito de aumentar seu poder pessoal em relação aos demais Poderes, à oposição e à sociedade.

No jogo de xadrez, o gambito é uma manobra em que se oferece um peão para adquirir vantagem de posição, romper a posição central do adversário e/ou organizar um ataque mais rápido ou eficiente. Foi mais ou menos o que Bolsonaro fez na reforma ministerial, para se blindar institucionalmente contra os demais Poderes, temendo o próprio impeachment, o fantasma que assombra suas noites no Palácio da Alvorada. No caso das Forças Armadas, a substituição do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, pelo general Braga Neto, seu chefe da Casa Civil, provocou um striker no Alto Comando do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, com a renúncia/demissão (há controvérsias) de seus comandantes, precipitando um processo de renovação de lideranças das três Forças sem precedentes.

A razão seria o desalinhamento do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, em relação à política de Bolsonaro, mas o desfecho da operação revelou que seus colegas da Marinha, almirante de esquadra Ilques Batista, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Antônio Carlos Bermudez, sustentavam a mesma posição. Bolsonaro quer reforçar seu poder sobre as Forças Armadas.

Lista tríplice

O respeito absoluto das Forças Armadas à Constituição e o esforço permanente dos comandantes militares para manter a política fora dos quartéis contrariam Bolsonaro, que faz exatamente o contrário e se sente ameaçado pela oposição. Teme também os líderes do Centrão e avalia que não tem o apoio que gostaria das Forças Armadas. O vice-presidente Hamilton Mourão é tratado como um conspirador. Esses sentimentos estão exacerbados porque o cenário eleitoral ganha contornos desfavoráveis para sua reeleição, devido à pandemia e à recessão, ainda mais com uma eventual candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não examinou a liminar do ministro Edson Fachin que anulou as condenações de Lula. Bolsonaro esperava que os generais Fernando e Pujol tivessem criticado a liminar.

Bolsonaro criou mais uma crise do nada, desta vez nas Forças Armadas, pela forma truculenta e deselegante como o ministro da Defesa e os comandantes militares foram afastados. As regras do jogo nas promoções e escolhas de comando das Forças Armadas foram criadas nos governos Castelo Branco e Ernesto Geisel, para combater a anarquia militar e preservar a hierarquia. Bolsonaro tem um histórico de transgressão a essas regras, quando ainda era militar da ativa. Como político, por ironia da História, acabou eleito presidente da República com apoio dos militares, e os trouxe de volta ao poder, inclusive oficiais da ativa, o que desagradava os comandantes militares que deixam seus cargos. A sucessão nos comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, normalmente, ocorre mediante a indicação de uma lista tríplice elaborada pelos integrantes do Alto Comando de cada Força: sete almirantes de esquadra, 17 generais de exército e sete tenentes-brigadeiros.