Título: Lula exonera, mas dá novo cargo a Lacerda
Autor: Quadros, Vasconcelo
Fonte: Jornal do Brasil, 30/12/2008, País, p. A4

Delegado deixa Abin para ser adido da PF em Portugal

Vasconcelo Quadros

BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou o intervalo das festas de fim de ano para tentar solucionar a crise institucional gerada pela suspeita de grampo no telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e pela Operação Satiagraha, e exonerou definitivamente, ontem, o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Paulo Lacerda. No mesmo ato, o delegado foi nomeado adido policial junto à Embaixada Brasileira em Portugal, cargo que não existia no organograma da Polícia Federal, mas foi criado como saída política à crise. Atual diretor interino da Abin, Wilson Roberto Trezza continua no cargo.

Um problema político para o governo desde que a revista Veja apontou a Abin como responsável pela escuta que apanhou uma conversa entre Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), o delegado Paulo Lacerda "sangrava" no cargo desde 1º de setembro, quando foi afastado temporariamente até a conclusão do inquérito. Três meses depois, a investigação está longe de apontar sequer se houve o grampo. O que derrubou Lacerda, no entanto, foi o choque entre a Abin e a Polícia Federal na Operação Satiagraha.

Responsável pelas investigações contra o banqueiro Daniel Dantas, o delegado Protógenes Queiroz voltou as costas para a direção da PF e foi se socorrer na Abin, onde Lacerda deu a ele apoio total. A descoberta de que mais de 80 agentes da Abin haviam trabalhado na Satiagraha ¿ analisando inclusive transcrições de grampo autorizado pela Justiça ¿ entrou em conflito com as declarações de Lacerda à CPI do Grampo, onde o delegado havia afirmado que o apoio havia sido informal. A direção da PF chegou a considerar o apoio da Abin irregular por não ter solicitado pelas vias institucionais.

A solução para a crise envolveu os ministros da Justiça, Tarso Genro, e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Jorge Felix. A Lacerda havia sido oferecido o mesmo cargo de adido nos Estados Unidos e Itália, cujas representações ainda serão criadas. Além de dificuldades com o idioma, o delegado relutou, argumentando questões de honra e condicionando seu destino à conclusão do inquérito da Polícia Federal sobre o grampo. Depois de ouvir centenas de personagens, a PF chegou à conclusão que, se nenhum fato novo surgir, em vez de origem e autoria, só poderá apontar que não é possível afirmar que houve o grampo. Como o inquérito pode se prolongar indefinidamente, o governo decidiu começar 2009 com a crise resolvida.

Ao viajar para Paris, às vésperas do Natal, o ministro Tarso Genro deixou o caso nas mãos de seu secretário executivo, Luiz Paulo Barreto, que se socorreu também do apoio do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos para convencer o delegado a aceitar o novo cargo. O governo temia que a degola ressuscitasse a crise e criou o cargo. Em conversa com assessores, Lacerda se disse satisfeito e argumentou que, se aceitou uma solução política, foi porque as fontes do governo encarregadas da negociação também concordaram com suas ponderações. Lacerda leva com ele o delegado Renato da Porciúncula, ex-chefe de Inteligência da PF e que também estava afastado da Abin.

A solução não põe fim à crise e nem reconcilia a direção da Abin com o atual diretor da PF, Luiz Fernando Corrêa, cuja cabeça, nos bastidores, era pedida abertamente pelo grupo de Lacerda. O cargo de adido policial (normalmente ocupado por um delegado e um agente, ambos da ativa) pertence à estrutura da PF e fica vinculado ao gabinete de seu diretor geral. Para tentar evitar novos atritos, o governo pretende adotar um novo formato, vinculando o cargo de adido à Interpol (Polícia Internacional), o que acaba resultando numa saída "à portuguesa", já que o órgão é vinculado à PF e dirigido por um delegado federal subordinado a Corrêa. Na prática, Lacerda retorna à PF, mas subordinado aos policiais que chefiou como diretor, durante cinco anos e meio.

¿ O Ministério da Justiça quebrou as normas de indicação de adidos. Estamos estudando um recurso contra a decisão ¿ anunciou ontem o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Marcos Wink.

Segundo ele, além do sistema de pontuação na carreira, que deve ser preenchido pelos candidatos, o adido deve ser um delegado da ativa (Lacerda é aposentado) e o assistente, um agente, e não um delegado federal, como é o caso de Porciúncula.

Terça-Feira, 30 de Dezembro de 2008 - 02:00