Título: A Anac não tem experiência
Autor: Correia, Karla; Mazzini, Leandro
Fonte: Jornal do Brasil, 30/12/2008, País, p. A6

Para o brigadeiro, ex-diretor da agência, a carência de profissionais do setor e a falta de planejamento no órgão são as causas dos atrasos nos aeroportos do país

Karla CorreiaLeandro Mazzini

BRASÍLIA

Voz importante até há poucos meses na Agência Nacional de Aviação Civil, que fiscaliza as companhias aéreas, o brigadeiro Allemander Pereira, um dos maiores especialistas em aviação civil no país, evita atacar a atual direção do órgão. Mas, em entrevista ao JB, aponta erros cometidos e pequenas soluções que poderiam minorar os problemas dos passageiros. Ele lembra que o país tem tradição na aviação ¿ apesar dos incidentes ¿ mas alerta para a futura inspeção internacional à qual a Anac terá de se submeter. "A aviação civil brasileira não vem se fortalecendo, ela vem se deteriorando".

Passado um ano do apagão aéreo, o país volta a enfrentar problemas nos aeroportos. Por que os atrasos em massa voltaram a acontecer?

A minha observação pessoal é de que precisa ter um pouquinho mais de experiência na análise. A Anac também tem que fazer a sua fiscalização operacional e a sua análise operacional de forma que não deixe acontecer eventuais problemas como parece que estão acontecendo.

O senhor acredita que as companhias estão "vendendo" para a Anac e para os passageiros uma operação que não podem sustentar?

Acho que elas vendem aquilo que elas percebem que podem, mas cabe à Anac pensar em todas as possibilidades, as falhas de sistema. A gente ouve dizer: "Ah, é porque o sistema caiu". Mas um sistema sério desses cai e não tem um back-up, não tem uma alternativa? Tem que ter as alternativas, porque se houver mau tempo você tem que ter pessoal já dimensionado para possíveis atrasos e possíveis filas. E você dissipar fila com maior número de guichês. Eu não acredito que seja problema de pessoal, me recuso acreditar que seja erro de dimensionamento.

O que falta para a Anac exercer esse papel de agência, de órgão regulador?

Não estou falando isso de agora. A Anac tem quadros muito bons, tem novos técnicos que estão entrando, de excelente qualidade. Agora, infelizmente, fez-se uma transição muito rápida na Anac. Perdeu-se o corpo de técnicos que tinham experiência. Outro dia vi um artigo em um jornal sobre o BNDES. Tinham 700 funcionários que estavam se aposentando nos próximos três anos e eles estavam preocupados com a perda desses recursos humanos, da bagagem de experiência deles. Em três anos, a Anac trocou praticamente todo o efetivo. Hoje, 75% a 80% dos técnicos da agência são pessoas novas, que entraram lá nos últimos dois anos. Isso tem reflexos...

O senhor diria que falta experiência à agência?

Eu diria que sim, falta experiência à Anac, falta experiência inclusive na própria diretoria, porque experiência profissional de aviação civil, com todo o respeito, eles não têm, a verdade é esta.

No Brasil, quem, hoje, tem essa experiência que a Anac precisaria? Onde estariam os recursos humanos necessários para fazer a agência funcionar a contento?

Eu estava tentando fazer exatamente uma mistura, ou seja, os jovens que estão chegando com aqueles que têm mais experiência. Esse capital humano é imprescindível. Oficiais como eu, que passei 25 anos no DAC, dos meus 37 de Força Aérea. Outros passaram passaram 15, 16 anos atuando no setor. É nessas horas de caos que essa experiência conta mais. A formação acadêmica é muito importante em qualquer ramo de atividade. Mas a experiência profissional é, eu diria, fundamental. E está fazendo falta.

Nesse cenário o senhor diria que a Anac hoje está mais politizada do que técnica?

Pode-se falar nesse aspecto por conta da indicação da diretoria. Mas todos eles passaram pelo crivo do Congresso, que teve chance de analisar, de verificar os currículos, verificar a experiência profissional. Não dá para classificar essa equipe de politizada. O que acontece é que se fez uma transição ¿ e isso eu falei quando estava sendo sabatinado ¿ que tinha de ser mais suave, para aproveitar a experiência que ainda existia da Aeronáutica, do pessoal da ativa e da reserva, que tinha um grupo grande.

Qual foi a principal fator que provocou os problemas nos aeroportos, neste Natal?

Eu acho que tudo teria que ter sido previsto e planejado antes, muito antes desse período. No meio do problema, com tudo acontecendo, as passagens já estão vendidas, tem passageiros que já estão marcados para voar. Então, se a empresa fizer uma ação mais incisiva, ela vai prejudicar os passageiros que já estão com bilhetes na mão. O que tinha que ter sido feito é um trabalho de análise, de avaliação mais profunda, com planos de ação alternativos para cada possibilidade. Não adianta ir só de coletinho para o aeroporto. Lá, você já está trabalhando em cima do problema final, ou seja, da fila. Ali você está dando conforto ao passageiro, mas você não vai resolver mais.

Faltou planejamento, então?

Isso. A estrutura que tem por trás das filas, dos guichês, ela está comprometida. No aeroporto, o que há é a doença se manifestando, o corpo já está combalido, já está enfraquecido, já existem problemas que têm que ser sanados porque senão você vai atacar o resultado, não a raiz do problema. E a raiz do problema, no meu modo de entender, que tem que ser trabalhada antes.

Até que ponto a responsabilidade sobre esse quadro pode ser de fato atribuído às empresas?

Eu tenho certeza que a empresa busca acertar. Atualmente ela tem sempre um balanceamento entre o que ela está fazendo para prover o serviço na hora, tudo certinho, como o passageiro deseja, e a busca pelo resultado comercial. Aí entra, no meu modo entender, o órgão regulador numa forma pró-ativa, ou seja, antes, porque a ação reativa já deixou acontecer.

Em 2009, a aviação civil brasileira vai passar pela auditoria da Organização Internacional da Aviação Civil. Existe risco de perder classificação, com essa estrutura tão comprometida?

Eu não diria que o país corre risco de sérias sanções porque o Brasil tem uma tradição na aviação civil pujante, tem boas bases, que as bases que vieram lá de trás, do DAC, apesar de falar o que tiver que falar, mas são bases sólidas. Essas bases vêm se deteriorando, é importante que se diga isso. A aviação civil brasileira não vem se fortalecendo, ela vem se deteriorando. Agora, não acredito em sanções graves, não. Acho que podem haver problemas, mas não acredito que nada de grande gravidade.

Uma discussão muito forte que está acontecendo no Rio é sobre o limite operacional do Santos Dumont e do Galeão. É de fato possível o Santos Dumont receber mais vôos e mais uma companhia aérea?

É compreensível que se abra o limite operacional do Santos Dumont, pelas necessidades do carioca. Agora, o Galeão vai perder com isso. Dos 11 milhões de passageiros que o Galeão tem este ano, provavelmente nós podemos considerar que entre 10% e 20%, no mínimo, vão para o Santos Dumont. Eu diria que algo em torno de dois milhões de passageiros vão para o Santos Dumont. Ou seja, o fluxo do Santos Dumont vai passar de três milhões e pouco de passageiros para algo em torno de cinco milhões e meio, logo no primeiro ano. Não sei se é melhor fortalecer o Galeão e com isso trazer vôos internacionais para o Rio, pelo menos representantes daquelas empresas que fazem vôos internacionais estão afirmando isso, ou se abrir o Santos Dumont e daí permitir uma maior competição, que competição sempre é importante, com a entrada de uma nova empresa. Mas essa é uma decisão difícil.