Título: Os caminhos da leitura e da escrita
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 04/01/2009, Opinião, p. A8

O humorista Dom Rossé Cavaca, morto nos anos 60 num acidente de lambreta, certa vez foi paraninfo de uma turma de universitários. No discurso, deu o recado: "Meninos, vocês já estão formados: agora estudem". Quis dizer, obviamente, que o estudo é um processo contínuo, que o aprendizado nunca termina, porque há sempre o que aprender. Sócrates já informava: "Todo o meu saber consiste em saber que nada sei".

Conforme amplamente noticiado nos últimos dias, o Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa está em vigor. O prazo de adaptação é elástico (vai até 2012), as modificações são pequenas (apenas 0,5% do nosso vernáculo) e algumas, como o desaparecimento do trema, eram reivindicadas há muito tempo. "Que coisa chata..."; "Pra que esses dois pontinhos?"; "Quarto tem trema?" ¿ eis algumas frases que se tornaram mais comuns que o desejável. Pronto, já não há mais esse problema. Agora vamos aprender a escrever.

Um leitor do jornal enviou uma carta comentando o fato de ter viajado num saveiro na Região da Costa Verde do estado do Rio com 120 turistas. Apenas quatro ¿ um alemão, os dois filhos e a namorada de um deles ¿ abriram as malas e retiraram livros, com os quais se entretiveram no trajeto de uma hora e meia. A mesma experiência pode ser vivida por qualquer usuário das barcas Rio¿Niterói.

As regras gramaticais, aprendemos na escola. O vocabulário, só com leitura, a fonte primária de conhecimento. Não é preciso ler apenas para escrever. Não se pode ser cineasta sem ler, além de ver filmes. Não se pode ser compositor sem ler, além de ouvir música. E assim a vida segue.

O pior de tudo, no entanto, são os vícios de linguagem, maléficos como qualquer vício. De uns tempos para cá, virou moda escrever entorno para designar a área que cerca determinado ponto. Tudo bem, é uma palavra dicionarizada. Mas, além de feia, parece que alguém escreveu erradamente a expressão "em torno" ¿ da qual, aliás, ela deriva. A língua portuguesa tem muitas outras palavras de sonoridade poética para substituí-la: redondezas, vizinhanças, cercanias, arredores e assim por diante. Por que não usá-las, pelo menos de vez em quando?

Outro vício: comercializar no sentido de vender. O sufixo izar significa tornar, e transforma o substantivo em verbo. Portanto, comercializar é tornar comercial: "A gravadora Universal comercializou o disco Tom Jobim Inédito, gravado em 1985 apenas para brinde de Natal da construtora Odebrecht. As lojas já estão vendendo o disco". Mais um exemplo: realizar é tornar real. Portanto, realiza-se um sonho, um desejo, algo que era abstrato e se torna concreto. Não é sinônimo de fazer, porque ninguém realiza a barba. Assim como utilizar é tornar útil, empregar algo para um fim ao qual ele não se destina ("utilizou o guarda-chuva como alavanca"), e não usar algo cujo fim é único ("ele só usa roupas claras").

A lista revela-se infindável. Constituem apenas alguns lembretes que nos remetem ao principal: o cuidado com a nossa língua, a mais soberba criança do ser humano, que lhe permite se comunicar.