O Globo, n.31995 , 13/03/2021. País, p.4

 

Entrevista - Edson Fachin: "Suspeição de Moro pode ter 'efeitos gigantescos' "

Aguirre Talento

Bela Megale

13/03/2021

 

 

O ministro Edson Fachin vê com “grande preocupação” a possibilidade de o STF declarar a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. A decisão, caso ocorra, “poderá ter efeitos gigantescos” sobre a Lava-Jato, culminando na anulação de todos os processos. Em entrevista, Fachin, que revogou as condenações de Lula, tornando-o elegível, afirma que os diálogos hackeados entre procuradores da força-tarefa e Moro não podem ser varridos “para debaixo do tapete” e que cabe ao STF decidir se valem como provas. Ele destaca uma mudança de paradigma no combate à corrupção e que a sociedade não aceita retrocesso. Fachin aponta ainda para “sinais de rompimento” dados por Bolsonaro em relação à eleição de 2022 e teme por instabilidades, uma vez que o chefe de Estado brasileiro não condenou a invasão do Capitólio e, tal como Donald Trump, põe em xeque o mecanismo de votação.

Oministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin afirmou, em entrevista exclusiva ao GLOBO, que eventual decisão da Segundaa Turma da Corte pela suspeição do ex-juiz Sergio Moro em relação aos processos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva “pode ter efeitos gigantescos” e resultar até mesmo na anulação de todos os casos da Lava-Jato nos quais Moro e a força-tarefa de Curitiba atuaram. Autor da decisão que na última segunda-feira anulou os processos contra Lula, aceitando alegação da defesa de que Moro não tinha competência para receber os processos contra o ex-presidente, Fachin concedeu a entrevista por e-mail, muitas vezes com largo uso de termos jurídicos nas respostas. O site do GLOBO publicou a íntegra da conversa. O magistrado disse ainda que não é possível “varrer para debaixo do tapete” os diálogos entre os integrantes da força-tarefa e o ex-juiz Sergio Moro, mas que o STF terá que firmar entendimento jurídico a respeito da utilização dessas conversas.

Atual vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Fachin manifestou ainda preocupação com “sinais de rompimento” dados pelo presidente Jair Bolsonaro em relação às eleições de 2022, por ter afirmado que, no Brasil, poderá ocorrer algo semelhante à invasão do Capitólio, nos Estados Unidos.

O senhor proferiu decisão liminar reconhecendo a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar as ações penais contra o ex-presidente Lula. Essa alegação já havia sido apresentada diversas vezes pela defesa, mas negada pelo STF. O que mudou?

O juiz decide, na regra geral, depois de receber um pedido formulado de modo direto e objetivo por alguém que tenha legítimo interesse. Embora a alegação de incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba tenha sido mencionada em outros procedimentos, não se tratava de pedido direto por parte da defesa do ex-presidente da República. Esse pedido somente aportou no STF em novembro do ano passado.

A sua decisão descreve que o ex-presidente Lula é suspeito de crimes envolvendo outras estatais além da Petrobras, por isso não se justificaria manter as ações em Curitiba. A anulação das condenações significa absolvição do ex-presidente em relação aos crimes dos quais foi acusado?

O tema posto é exclusivamente a aplicação do entendimento majoritário do colegiado da Turma sobre a competência. Somente isso. A definição do juízo competente é pressuposto de legitimidade da prestação jurisdicional e não se confunde com o mérito da acusação formulada.

Durante o julgamento pela Segunda Turma do recurso de Lula alegando a parcialidade de Moro, houve a utilização, nos votos dos ministros, dos diálogos apreendidos na Operação Spoofing, cuja legalidade ainda não foi reconhecida para fins de utilização em processos. Como o senhor avalia esta utilização?

Há muito a ser debatido sobre esse material. Certamente não há como varrê-lo para debaixo do tapete, e o Tribunal precisará dar uma resposta sobre ele. Quando oportuno, farei minhas considerações.

Caso a Segunda Turma declare a suspeição de Moro, é possível que essa suspeição seja estendida depois a outros réus da Lava-Jato, com consequente anulação de diversos processos?

Essa é uma grande preocupação. Anular quatro processos por incompetência é realidade bem diversa da declaração de suspeição que pode ter efeitos gigantescos. Na suspeição, observadas as bases de decidir — está se alegando conspiração do magistrado comaForça-TarefadoMP—é potencial a extensão da decisão a todos os casos da Operação Lava-Jato denunciados perante a 13ª Vara Federal de Curitiba nos quais houve função da força-tarefa do MPF e do ex-juiz Sergio Moro. Ainda não há como saber ao todo, já que estamos em sede de habeas corpus e não houve julgamento definitivo.

Para o senhor, por que a Lava-Jato passou a ser alvo de ataques da classe política e do meio jurídico? Houve realmente falhas e ilegalidades na condução das investigações?

O enfrentamento à corrupção deve ser democrático e efetivo. A justiça penal no Estado democrático de direito não tem lugar para atalhos, atitudes heterodoxas ou seletividades. O escrutínio é público: acertos são chancelados e falhas devem ser corrigidas. É um equívoco imaginar que decisões dos Tribunais Superiores ou mesmo o encerramentoformaldasForças Tarefas possam trazer de volta o nível de corrupção que se viu no passado. O Brasil teve ganhos institucionais imensos nos últimos 30 anos: há instrumentos legais disponíveis, o sistema de Justiça foi chamado a atuar (Ministério Público, Magistratura, Polícia Federal, Receita Federal), e o mais importante: há cidadania ativa fiscalizando, cobrando — com razão — cada vez mais transparência. Enquanto houver autonomia dos órgãos de controle, serão altos os custos para quem se aventurar pelo desvio.

É preciso, também, pôr fim a teorias conspiratórias que imaginam uma articulação internacional que une poderosos meios de comunicação, empresários e, óbvio, juízes e promotores influentes para atacar líderes populares. O número de denúncias e condenações e os valores recuperados não têm nada que ver com a sanha punitivista de juízes ou promotores ou com um projeto de poder, mas, simplesmente, com um nível alarmante de corrupção política. O risco, portanto, é promover não apenas retrocessos no combate a corrupção, como também retrocessos institucionais.

Como futuro presidente do TSE, o senhor vê riscos de ataques às instituições democráticas e tentativas de interferências sobre as eleições de 2022?

A polarização que guiou as eleições de 2018 ainda se faz presente e onde ela germina dificilmente se colhe entendimento, respeito pelo opositor e tolerância. Os principais desafios serão as fake news e o movimento de criação, às vezes dissimulado, às vezes indisfarçável, de um ambiente de inconformismo antecipado com o resultado das urnas. Um consenso mínimo exigidonas democracia sé a aceitação do resultado derivado das escolhas populares. Todos temos a atenção voltada para o voto impresso, urnas eletrônicas e mesmo o cenário da invasão do Capitólio. Os ataques d iri gidosà Justiça Eleitoral, especialmente ao sistema eletrônico devotação, compõem um quadro amplo de erosão deliberada das instituições. A onda populista que está por trás desse movimento quer eliminar os intermediários entre os representantes e os representados. Seu objetivo é espalhara desconfiança das instituições no momento da derrota política.

A invasão do Capitólio tem imenso simbolismo. Coloca em alerta a democracia no Brasil e no mundo, agravado pelo fato de não ter recebido a condenação do chefe de Estado brasileiro. É preciso que toda sociedade esteja vigilante a esses sinais de rompimento.

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PGR pede ao STF para manter condenações de Lula

Aguirre Talento

André de Souza

13/03/2021

 

 

Fachin encaminhou recurso para que seja votado no plenário da Corte. Caberá a Luiz Fux marcar da data do julgamento

A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) recurso contra a decisão do ministro Edson Fachin que anulou as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava-Jato de Curitiba. Assinado pela subprocuradora Lindôra Araújo, o documento pede que a Corte mantenha as condenações do petista e reforme a decisão do ministro. Fachin encaminhou o recurso para ser votado no plenário do Supremo. A PGR argumenta que os crimes imputados ao ex-presidente teriam sido “praticados no âmbito do esquema criminoso que vitimou a Petrobras —o que, por si só, autoriza o reconhecimento da competência do Juízo da 13ª Vara Federal da Curitiba” e aponta que essa questão já foi analisada por outras instâncias jurídicas e rejeitada. Em sua decisão, tomada na segunda-feira, Fachin argumentou que os processos de Lula não têm relação com a Petrobras, cujas irregularidades são analisadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba. Lindôra argumentou que “o apartamento tríplex concedido a Luiz Inácio Lula da Silva, assim como outras vantagens destinadas ao expresidente e apuradas em ações penais próprias, consistiu em retribuição pela sua atuação de modo a garantir o funcionamento do esquema que lesou a Petrobras, uma contraprestação não específica pelas contratações de obras públicas ilicitamente direcionadas da Petrobras, em ambiente cartelizado, às empresas do Grupo OAS”.

Ao encaminhar o pedido da PGR ao plenário da Corte, Fachin também deu prazo para que a defesa de Lula possa se manifestar sobre o recurso. Depois disso, o caso será enviado ao presidente do STF, ministro Luiz Fux, a quem cabe definir a data do julgamento no plenário.