O Globo, n.31995 , 13/03/2021. Economia, p.17

 

Demora para ajudar

Geralda Doca

Raphaela Ribas

Letycia Cardoso

João Sorima Neto

13/03/2021

 

 

Pago só em abril, benefício deve conter perdas, mas não induzirá crescimento

A aprovação da proposta de emenda à Constituição (P EC) que autoriza o anovar oda dado auxílio emergencial é umadas últimas etapas de um acorrida contra o tempo para driblara lentidão no processo de recriação do benefício, após meses nos quais a ausência do repasse deixou marcas não só na população vulnerável como na atividade econômica, enquanto a pandemia avançava. Para economistas, o retor nodo programa será suficiente apenas para mitigar os efeitos na economia, enquanto o país espera o avanço da vacinação.

O texto será promulgado na segunda-feira pelo Congresso Nacional. Depois, o governo ainda precisa editar uma medida provisória (MP) para regulamentar os pagamentos, que só devem começar no início de abril, conforme antecipou O GLOBO ontem. O novo auxílio deve atingir 46 milhões de famílias e custar cerca de R$ 36 bilhões, menos que o limite de R$ 44 bilhões imposto pela P EC. Os repasses começarão três meses após o fim da rodada de 2020, encerrada em 31 de dezembro. Economistas avaliam que a liberação do auxílio está demorando para quem precisa do dinheiro para sobreviver.

— As pessoas estão realmente passando necessidade. Mesmo com o problema fiscal, o auxílio é fundamental. Estas pessoas usa modinheiro que ganham hoje para comprar as coisas amanhã. Os indicadores do ano passado mostram que o consumo foi para comida mesmo — comenta o pesquisador da FGV/ Ibre Claudio Considera. Para ele, a medida não será suficiente para evitar a queda da atividade econômica no primeiro trimestre do ano, e a vacinação em massa determinará os resultados no restante do ano. Com o recrudescimento da pandemia, o fim do auxílio e a alta do preços nos alimentos, as vendas no varejo, por exemplo, registraram queda de 0,2% em janeiro, na comparação com dezembro, segundo pesquisa do IBGE divulgada ontem.

O cantor Vítor Súnega, de 26 anos, que mora em Santo André, São Paulo, recebeu o auxílio emergencial em 2020 e, por um tempo, até conseguiu voltar a se apresentar em pequenos eventos e casamentos que aconteceram respeitando as medidas de segurança. Mas, como sua cidade voltou à fase vermelha por conta do aumento de casos de Covid-19, teve todos os contratos cancelados:

— Eu estava fazendo um evento por mês, mas já dava para pagar algumas contas. Agora, meu irmão está pagando todas as despesas da casa onde moramos juntos. O plano do governo é começar a fazer os pagamentos nos primeiros dias de abril para pessoas que estão fora do Bolsa Família, por meio de crédito na poupança digital, de acordo com o mês de nascimento. Quem faz parte do programa social deve receber a partir de 16 de abril.

17 MILHÕES FICAM DE FORA

O benefício deve ser pago a apenas um membro da família, no valor de R$ 250, por quatro meses. Mulheres com filhos terão direito a uma cota mais alta, de R$ 375, e pessoas que moram só receberão um valor menor, de R$ 150. A MP para liberar o auxílio também deve prever que idosos e pessoas com deficiência

na fila para receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) recebam o auxílio emergencial. A medida já foi tomada no ano passado. A Caixa Econômica Federal tem um esquema pronto para operacionalizar os pagamentos, assim que o decreto que regulamenta a nova rodada for editado. A expectativa é que cerca de 700 agências funcionem em horário especial e algumas unidades abram aos sábados, das 8h às 12h.

O crédito em conta poupança para os trabalhadores informais ocorrerá todos os dias, inclusive aos domingos. Cálculos feitos pelo movimento Renda Básica que Queremos — formado por várias organizações e responsável pela campanha #auxilioateofimdapandemia — mostram que pelo menos um em cada quatro brasileiros que receberam o auxílio emergencial no ano passado  deixará de receber os recursos este ano, com a definição do teto de R$ 44 bilhões pela PEC. Na ponta do lápis, 17 milhões de pessoas ficarão sem o auxílio. Os estados mais impactados serão Piauí, Bahia e Ceará.

Essa redução terá efeitos negativos tanto para o comércio — já que, no ano passado, do total de 68,2 milhões de brasileiros que receberam o auxílio pelo menos 53% gastaram com a compra de mantimentos —como para os cofres dos municípios, já que a arrecadação tende a ser menor. “A distribuição de renda teve papel essencial em 2020, evitando o fechamento de comércios e a ampliação do desemprego e reduzindo indicadores de fome e extrema pobreza”, observa Paola Carvalho, diretora da Rede Brasileira de Renda Básica, uma das organizações que integra a campanha #auxilioateofimdapandemia.

AJUDA INSUFICIENTE

A analista de macroeconomia da XP Investimentos Rachel Sá destaca que, além de o auxílio ter um valor menor e destinado a menos pessoas, a economia sofreu nos últimos meses com fatores como o fechamento de serviços e encerramento de outros benefícios. Ela prevê queda de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre:

—O valor liberado neste ano ajuda, mas não é suficiente para compor a renda das famílias nem salvar a economia. A Ativa Investimentos segue a linha de queda, de 0,2%, no primeiro trimestre, mas prevê estabilidade no segundo. O economista-chefe da instituição, Étore Sanchez, acrescenta que, além de todo esse cenário, a economia é minada pela falta de confiança de investidores no Brasil, que padece com um plano de vacinação lento. Em geral, economistas estão cientes de que uma nova rodada pode pressionar os custos públicos, mas defendem que liberar o socorro é importante. O economista da Itaú Unibanco Luka Barbosa, no entanto, pondera que o auxílio pode reverberar de outra forma na sociedade, afetando o desemprego e o poder de compra das famílias, porque contribui para inflar a crise fiscal e deteriorar a condição financeira do país:

— Para a família que recebe, ajuda. Por outro lado, com esses juros altos, o empresário não investe e não contrata. No ano passado, o que aqueceu a economia foram os juros baixos e crédito facilitado, não o auxílio.

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Guedes nega atraso e diz que valor de R$ 600 é insustentável

Manoel Trisotto

Fernanda Trisotto

13/03/2021

 

 

Ministro afirma que quem deu O 'timing' da medida foi a política e que limite de gasto com benefício é importante para segurar inflação

Ao comentara aprovação da proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite a volta do auxílio emergencial, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a equipe econômica não atrasou o benefício e quem deu o “timing” foi apolítica. Ele comentou ainda que um benefício de R $600, como foi no ano passado, não é sustentável.

—Não acreditem na narrativa de que a Economia está contra o auxílio emergencial, que a Economia atrasou o auxílio emergencial. Isso é uma falsa narrativa. Isso é narrativa política. O auxílio emergencial não saiu antes porque a política é quem temo relógio. Quem manda equem dá otim ingéa política. E só apolítica poderia nos autorizar — disse Guedes, ao site Jota.

Em nota, o Ministério da Economia afirmou que a aprovação da PECé amais importante reforma fiscal dos últimos 22 anos.

O ministro defendeu o limite de R$ 44 bilhões, estipulado pela PEC, para o auxílio neste ano. Em 2020, foram cerca de R$ 300 bilhões.

— Você não pode chegar e dar um cheque em branco. Não pode falar “o dinheiro vai ser o que for preciso, toma aqui R $1 trilhão ”. Se nós fizermos isso, a inflação, que está subindo rapidamente, que até julho vai passar de 6%, que por enquanto é setorial, mas está começando aficar generalizada, e lavai embora, vai para 7%, 8%. E o juro tem que subir para 9%, 10%. Aí o Brasil começa a entrar em colapso de novo por falta de compromisso com o protocolo fiscal —disse o ministro. Guedes defendeu que o limite protege a população vulnerável, ao segurara inflação:

— Se a inflação for embora, quem vai pagar mais são os mais frágeis.

Em 2020, o governo pagou cinco parcelas de R $600 e quatro parcelas de R $300 a 68 milhões de pessoas no total. Neste ano, serão R$ 250 em média por quatro meses para 46 milhões de famílias.

— Não pode continuar com aqueles R$ 600 porque aquilo não é sustentável. Se falar “vou dar R$ 600 para todo mundo por dois anos”, a inflação vai para 5%, 6%, 7% e acabou — disse Guedes, reforçando que o governo pretende propor um novo programa neste ano. A inflação acumula danos 12 meses até fevereiro está em 5,2%, se aproximando do teto da meta estabelecida pelo Banco Central, de 5,25%. Na opinião de Guedes, o resultado demonstra uma alta “transitória e setorial” de preços:

—Esse aumento de preços de alimentos, material de construção, é fruto, de um lado, da subida do dólar e da alta das commodities .E, de outro lado, do auxílio emergencial, que foi potente e encheu os supermercados. Guedes também fez um aceno aos servidores após a desidratação da PEC, que permite promoções ao funcionalismo:

—Muita gente fala que tem que cortar o salário deles. Não tem que cortar. Eles já deram a contribuição deles.