Título: Arrecadação, o desafio de 2009
Autor: Totinick, Ludmilla
Fonte: Jornal do Brasil, 04/01/2009, Economia, p. A27

Economista recomenda calma e cautela aos brasileiros frente à crise e critica gastos do governo

Ludmilla Totinick

O economista Ilan Goldfajn, ex-diretor de Política Econômica do Banco Central, sócio da Ciano Investimentos, diz que o governo brasileiro terá um grande desafio pela frente a partir deste ano: a queda de arrecadação com a desaceleração da economia mundial.

O professor da PUC-Rio, vê a alta carga tributária praticada no país como uma grande restrição ao crescimento no longo prazo. Também critica os altos gastos do governo nos últimos anos. E diz que a redução dos juros no país vai depender muito da inflação e da extensão da crise. A seguir, trechos da entrevista que Goldfajn concedeu ao JB.

Qual o impacto da carga tributária num cenário de diminuição do ritmo do crescimento econômico?

Acho que a carga tributária no Brasil é uma restrição relevante ao crescimento no longo prazo. Não se pode ter uma carga tributária beirando os 40% sem ter conseqüência na nossa capacidade de crescer. Muito se fala de aliviar essa queda do crescimento com uma política fiscal pró-cícilica, que seria gastar mais, etc. Mas acho que a forma de resolver, se tiver que ser feita, seria baixando os impostos.

Mas como reduzir receita sem reduzir os gastos?

Pois é, a princípio, o Brasil não fez o papel correto no momento do boom do crescimento. Os nossos gastos continuaram crescendo e nossa arrecadação também. Então, não melhoramos a nossa posição fiscal como deveríamos. Agora não temos tanto espaço para usar, mas se formos usar, ao invés de continuar com esses gastos correntes que temos, devemos tentar reduzir os impostos um pouquinho, manter os investimentos de infra-estrutura e tentar limitar esse aumento de gastos correntes. Manter investimento, cortar gastos correntes e reduzir impostos um pouco. Essa seria uma forma de tentar reagir.

É correta a iniciativa do governo de fomentar o consumo num momento de crise?

Algum ajuste a gente deveria ter. Isso significa que a economia brasileira não crescerá à mesma taxa de 2008 devido à desaceleração mundial. A menos que a gente receba um financiamento muito grande do resto do mundo, que muita gente resolva colocar dinheiro aqui. Se ocorrer o contrário (uma economia acelerando muito com o resto do mundo desacelerando), afetará a nossa balança de pagamentos, que vai mexer com o câmbio, a inflação, os juros não poderão cair e, provavelmente, terão de subir.

Há risco de o governo incorrer no mesmo erro dos anos 70?

Depende. Se o governo estiver tentando evitar uma desaceleração mais forte, não vejo problemas. Se estiver tentando somente suavizar este movimento está correto. Agora, se o governo estiver tentando evitar de qualquer forma qualquer ajuste não vai conseguir, pois haverá um problema na balança de pagamentos, o câmbio depreciado, com todas as conseqüências negativas disso.

O mundo terá mais proteção depois da crise?

É capaz de ter um pouquinho mais de proteção, porque quando as coisas não vão bem e as economias não estão crescendo há uma força natural de tentativa de proteção. Porém, este esforço realizado por todos ao mesmo tempo gera um equilíbrio ruim para todos. Imagina se você não conseguir exportar para os países que você quer exportar? E os países não conseguirem exportar para cá? Todo mundo estará pior.

Há possibilidade de um surto inflacionário e até de uma desvalorização mais forte do real por conta do desequilíbrio da balança de pagamentos?

Acho que o mais provável é a inflação convergir para a meta. Não vejo grandes problemas na balança de pagamentos já que o nosso déficit é razoavelmente pequeno, em torno de 1,5% a 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Não estou antevendo nenhuma grande crise ou grandes problemas, vejo uma economia que vai acabar desacelerando como quase todas as economias do mundo.

Haverá uma tendência mais forte de regulação de fluxo de capitais? O mercado vai operar mais regulado a partir da crise?

Não acho que o fluxo de capitais terá mais controle. Acredito que haverá mais regulação dos bancos, do sistema financeiro e em outras áreas de investimentos. Com fiscalização de quanto você pode investir, de quanto você pode se alavancar, quanta dívida você pode tomar, este tipo de coisa vai ter, sim, mais regulação.

Pode haver aperfeiçoamentona regulação do sistema bancário brasileiro?

Aperfeiçoamento é sempre necessário, mas o sistema bancário brasileiro está sólido. Os aperfeiçoamentos serão naturais.

Como será este ano?

O ano de 2009 será de desaceleração, um ano mais difícil. A reação que o governo será relevante para o futuro do Brasil. Se houver uma reação responsável será melhor para todo mundo. Acho que o brasileiro pode esperar por uma política monetária com juros menores e deveria exigir que o governo não aumente os gastos, senão sobrará menos para o setor privado.

A previsão de juros para este ano ficou em 13% de acordo com o boletim Focus. É pouco?

Pode se revelar pouco ou pode se revelar muito, teremos de avaliar o impacto da inflação que causar e qual será a desaceleração. Não se sabe qual será a extensão da crise.

O controle de fluxo de capitais para impedir um ataque especulativo seria uma receita?

Isso não funciona nos dias de hoje. Não adiantaria neste momento e seria mau sinal para o futuro.

As agências de risco mereciam uma nota negativa?

Elas não foram as únicas que cometeram erros. Erraram gravemente ao longo da crise, ao darem notas altas para o subprime. Mas têm de reformular o que estão fazendo.

Algum reparo à atuação do governo brasileiro?

Ao colocar os bancos públicos para adquirirem outros bancos, pode-se estar criando uma pequena sementinha de um problema futuro. Afinal, quem vai ter que capitalizar os bancos é o Tesouro, que é o imposto de todo mundo. Então, se comprar hoje porque está na crise, se não for um bom negócio, quem vai sofrer é o contribuinte. É preciso muito cuidado nessa área.

O governo está gastando muita reserva cambial?

Não. Acho que as reservas existem para serem usadas em momentos de crise.

Mas o governo pensa em emprestar parte deste dinheiro para empresas como a Vale, isso é correto?

Algumas linhas de empréstimo serão através dos bancos. E este dinheiro servirá para as empresas pagarem suas dívidas. É uma forma de intervenção, de maneira direcionada, está certa.

A Casa das Garças lançou um livro eletrônico com a sua participação, do que ele trata?

O tema do livro é Como reagir à crise? Tem textos abordando a política cambial e se é correto intervir mais ou menos. Outro assunto em discussão é a maneira de intervir por meio de vendas de dólares ou swaps cambiais. Se é correta a política monetária reduzir logo os juros, ou não. Na questão da política fiscal, se é certo se gastar mais ou menos. Além do paper que traça os possíveis cenários no mundo este ano.

Existe um câmbio de equilíbrio na atual situação?

Vai depender muito das commodities, acho que não volta um câmbio de R$ 1,70 e R$ 1,60. O mundo tem de voltar ao que era antes para atingir o antigo patamar e não vai voltar tão cedo. As commodities precisam voltar aos altos preços e o ânimo precisa estar alto.

Qual o conselho para o investidor da Bolsa?

O investidor de Bolsa sempre tem de pensar no risco e no retorno que terá. Hoje, o retorno de investir na bolsa deve ser alto porque caiu muito e ao longo dos próximos 10 anos deverá dar um bom retorno. Entretanto, o risco que se corre também é alto porque a gente não sabe o que vai acontecer, pode flutuar, pode cair mais.

Qual o desafio para este ano?

Acho que o governo tem de se preocupar com a queda da arrecadação, que será um grande desafio. Com a economia desacelerando, a arrecadação cairá. É bom pensar logo no que fazer diante disso. Não sou a favor de corte no primário, tem de manter, o certo é o corte de gastos.

Qual a previsão de crescimento para o próximo ano?

Entre 2% e 2,5%, mas ninguém sabe da extensão da crise.

É possível o setor bancário liberar o dinheiro do compulsório para o crédito mais rapidamente?

Está todo mundo com receio. O próprio banco está com medo. Olhando para este ano, vai ter gente que talvez não consiga pagar o empréstimo, por isso o setor é cauteloso. É ruim, mas é a realidade. Dizer que vai emprestar e que não acontecerá nada, consuma que não acontecerá nada, seria irresponsabilidade.

A responsabilidade fiscal vai acabar?

A economia de mercado, a idéia de responsabilidade fiscal, o controle da inflação, câmbio flutuante não vão morrer, vão ser reforçados. Países que vão passar da crise com alguma responsabilidade fiscal, controlando sua inflação, deixando seu câmbio flutuar, vão se dar melhor.

Qual o conselho para os brasileiros?

Serenidade para não entrar nesta conversa de pânico, nem também de que tudo isso é invenção de gente de fora. Vai ter uma crise de um ano. Por outro lado também não fingir que não tem nada acontecendo. Começar a pegar uma dívida enorme, a juros altíssimos e achar que é o momento de fazer tudo que nunca fez na vida, não é o momento.