Valor Econômico, n. 5197, v.21 , 01/03/2021. Brasil, p.A4

 

Incerteza turva cenário e “retarda” retomada

 

Interferência na Petrobras e 2ª onda de covid farão atividade piorar antes de melhorar, dizem economistas

Por Arícia Martins e Anaïs Fernandes — De São Paulo

 

O aumento da incerteza política após as mudanças na Petrobras, o recrudescimento da evolução da pandemia no país e a lentidão no início da vacinação não colocaram o cenário de retomada econômica em 2021 em xeque, mas é consenso entre especialistas que a atividade vai piorar antes de melhorar.

 

Segundo a mediana de estimativas de 35 consultorias e instituições financeiras ouvidas pelo Valor Data, o Produto Interno Bruto (PIB) deve recuar 0,4% de janeiro a março sobre o último trimestre de 2020, feitos os ajustes sazonais. E, levando em conta o atraso na imunização num momento em que uma nova variante do coronavírus eleva o número de casos e mortes, alguns economistas já dão como certa uma nova retração da atividade no segundo trimestre, o que configuraria uma recessão técnica.

 

O desempenho da economia no quarto trimestre do ano passado e na média de 2020, para os quais espera-se crescimento de 2,8% e retração de 4,2%, respectivamente, será divulgado nesta quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (ver reportagem abaixo).

 

O Bradesco diz esperar queda de 0,5% no PIB na abertura do ano, mas, segundo relatório da equipe econômica chefiada por Fernando Honorato, dados proprietários do banco indicam que a contração pode chegar a 1%, principalmente pelo recuo na indústria. “A dinâmica dentro do trimestre até vinha mostrando melhora em fevereiro, uma vez que, apesar das restrições, a mobilidade vinha se recuperando. Mas as novas restrições lançam certa cautela com as próximas semanas”, diz o Bradesco.

 

Entre as instituições que participaram da pesquisa do Valor Data, o J.P. Morgan tem a previsão negativa mais acentuada para o PIB do primeiro trimestre, de -1,3%. As únicas casas que esperam expansão da atividade no período, de 0,3%, são os bancos BV e o Itaú Unibanco, que também estão na ponta mais otimista das expectativas para o crescimento em 2021, com avanço de 4%. De acordo com a mediana de 40 analistas, a alta será de 3,4% - em boa parte já “contratada” pela herança estatística deixada pelo final de 2020.

 

A recuperação, contudo, deve ser concentrada no segundo semestre e está totalmente condicionada à perspectiva de que a distribuição e aplicação de vacinas ganhem velocidade, após um início bastante truncado. Neste quadro, a volta do auxílio emergencial em valor e duração menores do que em 2020 já foi incluída nos cenários dos analistas, mas é considerada uma pequena ajuda à atividade, que seguirá afetada pela menor circulação de pessoas, ao menos na primeira metade do ano.

 

“Há dois ou três meses, sabíamos que não haveria auxílio no início do ano, mas a esperança era que a reabertura das atividades já estaria mais avançada, o que compensaria e poderia deixar o PIB do primeiro trimestre próximo de zero”, diz Werther Vervloet, economista da ACE Capital. Desde então, porém, o que se viu foi a piora da pandemia, com governos retomando medidas mais restritivas, observa ele, que projeta queda de 0,5% para o PIB de janeiro a março, feitos os ajustes.

 

Além dos sinais de que o ritmo da atividade se enfraqueceu em dezembro, afirmam os economistas Leonardo Porto e Paulo Lopes, do Citi Brasil, o indicador de mobilidade da instituição caiu no primeiro trimestre. A menor movimentação dá suporte à estimativa de que o PIB deve diminuir cerca de 0,5% no período, apontam Porto e Lopes, assim como à projeção de crescimento de 3% em 2021, abaixo do consenso de mercado do boletim Focus, atualmente em 3,3%.

 

Em meio à lentidão no cronograma de vacinação, dizem os economistas do Citi, a perspectiva é de estabilidade do PIB no segundo trimestre, seguida de retomada de julho em diante. “Em resumo, estamos cada vez mais confortáveis com a nossa projeção abaixo do consenso para 2021, com a taxa de desemprego ficando praticamente estável em relação à média elevada do ano passado”, avaliam Porto e Lopes.

 

Ao que tudo indica, o Brasil vai terminar o primeiro trimestre com apenas 25 milhões a 30 milhões de vacinas administradas, o que implicaria a necessidade de “fortíssima aceleração” para que os grupos de risco recebessem as duas doses até junho, apontam os economistas do ASA Investments. Devido à morosidade na vacinação e à maior incerteza política e seu efeito nas condições financeiras, a instituição passou a prever recessão técnica no primeiro semestre e revisou sua projeção de PIB no ano de 2,4% para 2%.

Antes mesmo do recrudescimento adicional da pandemia, o “abismo fiscal” após o fim dos estímulos já sinalizava que a atividade poderia começar 2021 em queda, lembra Roberto Secemski, economista-chefe do Barclays para Brasil. Em suas estimativas, o PIB vai diminuir 0,3% nos primeiros três meses do ano. Por ora, a projeção de expansão de 3,5% para 2021 está mantida em função do elevado “carry over” de 2020, mas os riscos em relação a esse número são de baixa.

 

“Esperamos que uma nova e modesta rodada do auxílio emergencial forneça algum suporte à atividade nos próximos meses, mas uma recuperação mais forte só deve se materializar no segundo semestre”, diz Secemski.

 

Apesar da expectativa de contração da atividade no primeiro trimestre, a ACE Capital considera que a situação é temporária. “Acreditamos que o processo de vacinação deve acelerar no segundo trimestre, apesar do começo muito ruim. A partir daí, no segundo semestre, com a economia aberta e dado o nível de estímulo, o crescimento deve dar uma engrenada”, diz Vervloet, para quem o PIB vai avançar 4% na média de 2021.

 

É a mesma previsão do Itaú. Mas o banco não trabalha, por ora, com PIB negativo em nenhum trimestre deste ano. “Dados públicos e proprietários indicam crescimento no primeiro trimestre - positivo de verdade, não próximo a zero. Hoje, acho o risco de PIB negativo no primeiro trimestre muito baixo”, afirma o economista Luka Barbosa