O Globo, n.31997 , 15/03/2021. Economia, p.15

 

Busca de talentos

Carolina Nalin

15/03/2021

 

 

Empresas tentam atrair brasileiros que estudam fora com programas de estágio

A entrada de jovens de classe média em universidades estrangeiras tem deixado empresas brasileiras de olho nesses estudantes com diploma internacional. Diante da fuga de cérebros que já acontece no país, principalmente com profissionais formados em tecnologia, empresas do varejo e do setor financeiro têm apostado cada vez mais em programas de estágio de curta duração, durante as férias de verão no Hemisfério Norte, para atrair e rete ramão de obra brasileira qualificada que está em formação no exterior.

A pandemia exigiu que os programas fossem adaptados ao formato remoto, masas empresas garantem que o contato dos estudantes com acultura e as lideranças das companhias segue sólido. Ao fim de cada estágio, que costuma ter duração média de 12 semanas, o estudante pode receber ofertas de trabalho ou permanecer em contato coma companhia afim de retornar após o término da graduação.

—O Summer Job existe há mais de cinco anos e, acada edição, a procura dos jovens aumenta. Neste ano, com edição 100% on-line e remota, registramos um aumento de mais de 145% no número de candidatos em comparação à edição de 2020 — conta José Mauro Barros, diretor de Gente da B2W Digital, que reúne Submarino, Shoptime, Americanas.com.

Jovens brasileiros que estudam Economia, Administração ou Engenharia em faculdades americanas são presença certa entre os candidatos, mas há em cursou ma diversificação do perfile da localidade dos estudantes, afirmam as empresas.

— Houve um aumento de graduandos em Psicologia, Ciência da Computação, Matemática, Física, Estatística e Design, eque estudam em países como Portugal e Itália —revela Eduardo Besser, sócio do BTG Pactual, onde, desde 2012, acontece o Summer Undergrad, voltado para experiência prática em mercado financeiro.

MAIOR CHANCE DE RETORNO

Paulo Sardinha, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), avalia que a estratégia das empresas de apostar nesses profissionais é frequentemente bem-sucedida, já que a experiência internacional favorece a formação de lideranças:

—Muitos desses jovens tem um crescimento no sentido de maturidade pelo contato com diferentes culturas. E voltam para o Brasil com um espírito de modernização, porque acessam tecnologias e conceitos que às vezes levam tempo para chegar aqui.

É unânime o interesse das empresas pelos melhores alunos das principais universidades, como Stanford e Harvard, independentemente da nacionalidade do estudante. Mas Fernanda Teich, porta-voz do Summer Stone, programa de estágio da Stone, diz que focar nos brasileiros aumenta a chance de retorno.

Para isso, diz ela, a chave é desenvolver projetos de alto impacto e curta duração, que aceleram a companhia e engajam o estudante para posterior retenção desse profissional:

— As áreas da companhia enviam propostas de projetos e fazemos um fit (alinhamento entre o objetivo do projeto e o perfil dos candidatos). Cada estudante é direcionado para um time específico, onde é acompanhado por um líder e um mentor, garantindo que a experiência seja boa de ponta a ponta. No fim, os participantes apresentam o projeto aos líderes da companhia, e as melhores bancas apresentam novamente para o presidente e para o CEO.

Quem já passou pela experiência não se arrepende. André Hamra, de 23 anos, saiu do interior de São Paulo, em Catanduva, para cursar Administração na Wharton School of the University of Pennsylvania, nos Estados Unidos.

Com apoio da Fundação Estudar, da Arpex Capital e da Ambev, manteve bolsa de estudos durante a graduação e participou de quatro Summers da Stone, se dividindo entre oito meses de faculdade e quatro meses de estágio de verão por ano. De lá para cá, são seis anos como colaborador da companhia.

— Gostei tanto das pessoas que acabei voltando em todas as minhas férias. Pra mim, que vim do interior, (a universidade no exterior) abriu muito a cabeça. Pude estudar com os melhores alunos do mundo e isso dava um senso de competitividade muito grande, porque um subia a barra do outro. Aprendi a lidar bem em ambientes competitivos.

‘GOTAS NO OCEANO’

Luíza de Alexandria Soares, de 22 anos, cursa Publicidade e Propaganda com especialização em Gestão de Contas e Comunicação Internacional, na Temple University, nos Ela foi efetivada ao término do estágio da B2W, em junho de 2020:

—Quando entrei na faculdade, tinha certeza de que queria me estabelecer nos Estados Unidos. Porém, ao longo dos anos, cada retorno para o Brasil me dava mais clareza de que tinha o dever de trazer todo esse conhecimento adquirido no exterior para a realidade do meu país — conta ela, que hoje é responsável por um projeto gamificado para engajar futuros candidatos coma marca B2W, e estuda e trabalha de forma remota.

Apesar da capacidade de retenção dos profissionais, Sardinha lembra que as empresas brasileiras tem um“adversário natural ”: o cenário político econômico brasileiro, de instabilidade e de dificuldade de crescimento industrial. P orisso, apesar de relevantes, as iniciativas não são capazes delimitara perda de produtividade que o país enfrenta há anos:

—Estamos falando degotas no oceano. Agente mais perde do que recupera. Chutaria que não chegamos a trazer de volta 20% das pessoas que saem daqui. No exterior, há uma proximidade muito grande entre as universidades e as empresas, permitindo o desenvolvimento de pesquisas de uma maneira muito acelerada, oferecendo um diferencial muito atraente.