O Globo, n.32000 , 18/03/2021. País, p.4

 

Com o aval de Bolsonaro

Bruno Goés

Paulo Cappelli

18/03/2021

 

 

Congresso perdoa dívida de R$ 1,4 bilhão das igrejas

Com apoio do presidente Jair Bolsonaro, o Congresso derrubou ontem um veto imposto por ele meses atrás para abrir caminho a um perdão de dívidas tributárias de igrejas e templos religiosos. Segundo o ministério da Economia, a perda de arrecadação pode chegar a R$ 1,4 bilhão. Por outro lado, o benefício favorece a segmentos importantes da base de apoio do presidente, num momento de instabilidade de sua popularidade, conforme mostrou a mais recente pesquisa Datafolha (leia mais abaixo).

Bolsonaro declarou ser a favor da derrubada do próprio veto desde o início, dizendo ter barrado a medida por ter sido advertido por sua equipe técnica de que a sanção poderia justificar a abertura de um processo de impeachment. A concessão a favor das igrejas, então, foi organizada pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), tendo aval também da oposição.

O presidente tem apoio de vários pastores de diferentes denominações religiosas e frequentemente os recebe ou participa de atividades em templos. Na última segunda-feira, o presidente se reuniu em seu gabinete no Palácio do Planalto com um grupo liderado por Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. O pastor afirmou que o encontro foi apenas para informar o presidente da convocação de um dia de jejum “em favor da nação brasileira” marcado para o fim do mês.

O artigo que havia sido vetado por Bolso na roem setembro de 2020 isenta o pagamento de valores referentes à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e as multas por não quitação do tributo.

No estudo do veto enviado pelo Ministério da Economia ao Congresso, a pasta justifica a manutenção do veto :“Percebe-se que não foram atendidas as regras orçamentárias para a concessão de benefício tributário ,(...) podendo a sanção incorrerem crime de responsabilidade deste Presidente ”.

INCENTIVO AO PARLAMENTO

Na época em que vetou o dispositivo, Bolsonaro afirmou nas redes sociais que tomou a decisão para evitar “um quase certo processo de impeachment”. Na ocasião, ele incentivou que o Congresso contrariasse a posição do governo: “Confesso, caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto, votaria pela derrubada do mesmo”.

Sua declaração motivou o Congresso. Ontem, 439 deputados se posicionaram para derrubar o veto e apenas 19 foram contrários ao perdão. Já no Senado, a votação teve o placar de 73 a 1.

Outra iniciativa que futuramente pode beneficiar as igrejas éa ampliação do alcance da imunidade e das isenções concedidas atualmente a elas. A bancada evangélica na Câmara vem atuando para que o tema seja inserido nas discussões sobre a reforma tributária, cuja comissão já está instalada na Casa.

Pela Constituição, entidades religiosas são imunes ao pagamento de impostos sobre renda, patrimônio e serviços. Alei atual exige, no entanto, o recolhimento de encargos trabalhistas e previdenciários, entre outras contribuições sociais, além de deixar as igrejas sujeitas a contribuições de intervenção no domínio econômico (Cide) e a taxas sobre serviços específicos.

O deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM), líder da bancada evangélica, apresentou uma emenda que amplia o entendimento sobre a imunidade. Em 2019, apedido de Bolsonaro, a Receita Federal já havia afrouxado as obrigações fiscais de igrejas, por meio de instruções normativas — o Fisco aumentou de R$ 1,2 milhão para R$ 4,8 milhões o piso de arrecadação que torna obrigatória a entrega da Escrituração Contábil Digital (ECD), um demonstrativo de movimentações financeiras diárias.

EMENDAS AO ORÇAMENTO

Também em acordo com líderes do governo, Câmara e o Senado derrubaram um veto de Bolsonaro que impedia o uso de emendas de relator-geral e de comissão para definir a destinação de recursos do Orçamento. A decisão aumenta a influência de parlamentares no uso de verbas federais.

O veto havia sido feito na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que estabelece regras para a formulação do Orçamento. Hoje, emendas parlamentares individuais e de bancadas são de execução obrigatória. O Congresso deseja que estas outras rubricas, de orçamento e relator-geral, tenham o mesmo tratamento.

O Orçamento de 2021 ainda está sendo discutido em comissão do Congresso. A expectativa é que haja a votação no colegiado ainda este mês. Há duas semanas, o relator do Orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (MDB-AC), incluiu no relatório preliminar a alocação de R$ 35,6 bilhões para a rubrica “emendas de relator” — ano passado, a soma foi de R$ 20 bilhões. Em 2020, a existência dessa rubrica e a previsão de execução sob ordem do Congresso fizeram o Planalto acusar parlamentares de “chantagem”.

Nas outras rubricas, o parecer preliminar do Orçamento reservou R$ 9,7 bilhões para emendas individuais de congressistas e R$ 6,5 bilhões para as de bancadas. Por enquanto, não há valor para emendas de comissão, apenas um piso de R$ 225 milhões.