O Globo, n.32001 , 19/03/2021. Sociedade, p.8

 

Além da falta de leitos

Dimitrius Dantas

Paula Ferreira

Renata Mariz

19/03/2021

 

 

Hospitais, agora, enfrentam ameaça de apagão de remédios e oxigênio

Enquanto a ocupação de UTIs por pacientes com Covid-19 ultrapassa 90% na maioria dos estados, o Brasil pode estar prestes a sofrer com a falta de medicamentos e de oxigênio para pacientes internados. Hospitais particulares já relatam ter estoque de sedativos e outras drogas apenas para mais cinco dias. Em pelo menos 18 estados, o chamado “kit intubação” dura, no máximo, 20 dias, segundo o Fórum de Governadores. Além disso, ao menos 116 cidades podem ter falta de oxigênio em breve, segundo levantamento feito pelo GLOBO, a partir de dados da Frente Nacional de Prefeitos (FNP).

Com a maioria dos leitos ocupados, hospitais de todo o país correram para repor seus estoques de medicamentos, aumentando a demanda por insumos e, consequentemente, o preço das principais drogas usadas por pacientes intubados.

Segundo gestores ouvidos pelo GLOBO, o mercado não apresenta condições de oferecer a quantidade de medicamentos em um cenário em que o estoque de leitos no Brasil aumentou e já está quase todo ocupado. A prefeitura de Curitiba atingiu ontem 101% de vagas de internação de Covid ocupadas, por exemplo.

— Já ocorreram problemas de falta de medicamentos no ano passado, mas este ano está muito pior, porque a necessidade de intubar é maior. Estamos em uma tempestade perfeita: preço aumentando, crise na oferta, aumento de pacientes e falta de materiais — disse o presidente do Sindicato de Hospitais, Clínicas e Laboratórios de São Paulo (SindHosp), Francisco Balestrin.

Em pesquisa realizada pelo SindHosp, 79% dos hospitais de São Paulo reclamaram do aumento do preço de medicamentos. De acordo com os gestores hospitalares, o preço do midazolam, sedativo us adono momento da intubação, aumentou 414%. O rocurônio, bloqueador neuromuscular, teve aumento de 960%. Em um documento entregue ao Ministério da Saúde, governadores do Nordeste afirmam que o preço dos insumos está até 75% superior ao valor de um ano atrás.

O diretor do Hospital Universitário Pedro Ernesto, Ronaldo Damião, afirma que a falta de medicamento sé o maior desafio hoje para atender os pacientes com Covid-19. Segundo ele, a situação é ainda mais dramática na rede pública, que não pode pagar por preços mais elevados e tem dificuldade para fazer compras rápidas, sem licitação.

— Nossos estoques estão no fim. Faltam remédios, mas os pacientes continuam a chegar. A situação é desesperadora —disse ele.

Gestores públicos e entidades médicas pressionam o governo federal por soluções para a falta de medicamentos. Ontem, o Conselho Federal de Farmácia, a Frente Nacional de Prefeitos e o Fórum dos Governadores enviaram cartas ao Ministério da Saúde para pedir facilitação de importação de insumos, compras emergenciais, redução do preço dos remédios pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos e um esforço governamental para que a indústria aumente sua produção.

Durante reunião com entidades médicas e hospitalares, ontem, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se comprometeu a agilizar processos para importação, de acordo com participantes do encontro.

SEM OXIGÊNIO

Um mapa elaborado pela frente dos prefeitos e obtido com exclusividade pelo GLOBO, mostra que pelo menos 41 cidades têm previsão de falta do oxigênio em breve. O número, porém, já chega a 116, se considerados dois estados que não entraram no levantamento da FNP, mas enviaram dados ao GLOBO.

Os municípios com situação mais grave estão em 11 estados: Bahia, Minas Gerais, Paraná, São Paulo, Rio Grande do Norte, Maranhão, Sergipe, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Ceará e Santa Catarina.

Além desses, O GLOBO localizou ainda risco de colapso em cidades de Rondônia.

O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde( Conass ), Carlos Eduardo Lula, afirmou que o cenário que se desenha é preocupante e quenos próximos dias o país pode enfrentar novamente a escassez do insumo, a exemplo do que ocorreu em Manaus no começo do ano.

— Há uma sobrecarga nas cidades pequenas e médias, que não dispõem de rede própria. Elas fazem abastecimento de oxigênio por meio de cilindro. Esse tipo de armazenamento exige uma troca de muitos cilindros por dia e a empresa (que fornece oxigênio) não tem capacidade — disse Lula, que concluiu:— As cidades que não dispõem de tanque, usina ou estrutura mais complexa para abastecimento de oxigênio vão ter dificuldades.

O diretor de Logística do Ministério da Saúde, general Ridauto Fernandes, reconheceu a iminência do colapso ontem, ao falar em audiência no Senado. Ele não descarta “falta perigosa” de oxigênio “em poucos dias”, principalmente nos pequenos hospitais.

— Sinto muito, não dá tempo de ir atrás de mais miniusinas. A velocidade de aquisição (de cilindros) não é também instantânea. E a expectativa de falta perigosa desse produto na ponta da linha, nos pequenos hospitais, é de poucos dias — disse Fernandes.

O representante do governo afirmou que pequenas unidades de saúde, dependentes do oxigênio gasoso, são as mais afetadas. Já os hospitais maiores recebem o produto em forma líquida e o transformam em gás, o que facilita o fornecimento.

Segundo a White Martins, principal produtor de oxigênio líquido medicinal do Brasil, Ceará, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina têm “apresentado um consumo de oxigênio expressivo no momento”. O aumento de consumo nas duas primeiras semanas de março no país foi 56% maior do que na primeira quinzena de dezembro.