O Globo, n.32001 , 19/03/2021. Economia, p.18

 

Alta de juros deve elevar mais a inadimplência

Nalin Carolina

19/03/2021

 

 

Em janeiro, 61,7 milhões tinham dívidas em atraso, segundo a Serasa, primeira alta do indicador após 8 meses de queda. Selic maior, somada ao desemprego, à inflação e ao atraso do auxílio emergencial, vai pressionar orçamento das famílias

A elevação dos juros pelo Banco Central na quarta feira, de 2% para 2,75% ao ano, vai comprimir ainda mais o orçamento das famílias, já afetado pelo desemprego elevado, a inflação crescente e a demora na retoma dado auxílio emergencial. A inadimplência, que voltou a subir em janeiro depois de meses de queda, deve aumentar, alertam especialistas.

Pesquisa da Serasa mostra que 61,7 milhões de brasileiros tinham dívidas em atraso em janeiro, contra 61,4 milhões em dezembro. Foi a primeira alta após oito meses de queda.

Segundo dados do Banco Central, a inadimplência voltou a subir e atingiu 2,89% em janeiro, também depois de oito meses de queda. Entre abril e dezembro do ano passado, o indicador recuou de 4,07% para 2,85%.

CONTAS BÁSICAS E BANCOS

A Serasa aponta ainda que o atraso no pagamento de serviços básicos recuou de 23,6% em dezembro para 22,7% em janeiro, enquanto o endividamento com bancos passou de 27,3% para 28,2% no período.

O assistente administrativo Thyago Neves, de 35 anos, recorreu a um empréstimo bancário em dezembro para conseguir pagar as contas do mês:

—Como está tudo muito caro, você acaba dando prioridade às coisas essenciais e, conforme vai tendo a necessidade, pega dinheiro emprestado com banco, cartão de crédito, cheque especial, para tentar não deixar de pagar as contas.

Já Antônio Carlos de Novaes, de 61 anos, está há três meses sem pagar a conta do celular. Aposentado, ele complementava a renda trabalhando como porteiro de um barracão na Cidade do Samba, mas perdeu o emprego na pandemia:

— Estou pagando o que eu consigo, fazendo das tripas coração, tentando resolver. Deixeia conta de telefone atrasar e agora estou tentando pagar, mas está tudo muito difícil. Estou na expectativa de que melhore, mas, pelo andar da carruagem, está complicado.

Novaes evita recorrer ao crédito consignado porque, sem a renda complementar, o desconto no benefício, que é feito na fonte, vai fazer falta.

VENCIMENTO DE DÍVIDAS

Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), lembra que o comprometimento da renda das famílias com dívidas atingiu 21,5% em dezembro, recorde da série histórica do BC, iniciada em 2005. Esse indicador, diz, deve subir mais neste semestre, tendo por efeitos o freio do consumo e o baixo crescimento econômico:

— O primeiro trimestre já é um momento de pressão no orçamento das famílias pelo componente sazonal e, na ausência do auxílio, não descartaria que o comprometimento com dívidas atinja 30% da renda dos brasileiros. No segundo trimestre, vamos ter o benefício, mas com efeito menor e num ambiente de inflação alta e juros em nível mais elevado.

Isabela Tavares, economista da Tendências Consultoria, ressalta que a elevação dos juros, somada ao agravamento da pandemia, dificulta a retomada do mercado de trabalho, e o resultado é o aumento dos calotes. A consultoria estima que a inadimplência da pessoa física chegará a 4,9% este ano, após encerrar 2020 em 4,2%.

— As dívidas renegociadas ao longo do ano passado foram jogadas para frente, e agora a proximidade dos prazos de pagamento com novas renegociações, não tão fáceis, começam a pressionar. A situação financeira fica mais delicada.