O Globo, n.32001 , 19/03/2021. Mundo, p.20

 

Biden cobra, em carta, compromissos ambientais de Bolsonaro

Daniel Gullino

Eliana Oliveira

Janaína Figueiredo

Fernanda Trisotto

19/03/2021

 

 

Planalto divulga correspondência de fevereiro após entrevista de Lula à CNN, mas omite trecho em que americano faz pressão

Em carta enviada ao presidenteJair Bolso na roem 26 de fevereiro, o presidente dos EUA, Joe Biden, disse esperar um compromisso maior do governo brasileiro coma proteção ao meio ambiente no período que antecede a cúpula sobre o clima que o americano está organizando para 22 de abril, Dia da Terra.

Trechos da carta foram divulgados ontem cedo pelo Planalto, ma sapar teda cobrança, feita em tom diplomático, não constava do comunicado da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência. A carta, cuja íntegra foi obtida pelo GLOBO, foi uma resposta à mensagem enviada por Bolsonaro no dia da posse do democrata, 20 de janeiro.

No texto, Biden diz que seu governo está “atuando rapidamente”, tanto internamente como com parceiros internacionais, para combater a pandemia da Covid-19 e para “responder com urgência à ameaça global representada pela mudança climática”. O presidente americano disse esperar que os EUA e o Brasil possam combater esses problemas juntos.

“Espero ver compromissos do seu governo em aumentara ambição sobre a questão climática antes da cúpula de líderes pelo clima que eu vou organizar em 22 de abril, enquanto trabalhamos para proteger nossos recursos naturais e tirar milhões da pobreza por meios sustentáveis”, escreveu Biden.

SEM TELEFONEMA AINDA

Bolsonaro foi convidado à cúpula, mas o governo ainda não confirmou se ele vai.

A divulgação da carta pelo Palácio do Planalto ocorreu no dia seguinte à veiculação de trechos de uma entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à rede de TV americana CNN. Ali, Lula pede que Biden repasse a outros países as 30 milhões de doses de vacinas da AstraZeneca que estão estocadas nos EUA sem uso, e também que convoque uma cúpula do G -20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, para discutir uma distribuição mais equitativa dos imunizantes no mundo.

Na carta, Biden diz que Brasile EUA compartilham “objetivos comuns e desafios” eque a História os aproximou, citando aluta pela independência, a “rejeição afinal da escravidão” e “olongo caminho para abraçar o caráter diverso de nossas sociedades”. Ele termina dizendo esperar trabalhar deforma próxima como Brasil “para tornara região e om undo lugares melhores ”.

Biden e Bolsonaro ainda não se falaram por telefone desde aposse do democrata. O brasileiro foi um dos últimos líderes de expressão a reconhecera vitória do democrata nas eleições de 2020, e afirmou mais de uma vez, sem provas, que houve fraude na disputa. Depois, passou afazer gestos de aproximação. No dia da posse de Biden, em janeiro, ele anunciou ter enviado uma carta ao americano na qual expôs sua “visão de um excelente futuro para a parceria Brasil-EUA”.

Apesar do apoio do brasileiro à reeleição de Trump e das críticas de deputados democratas às políticas de Bolsonaro para o meio ambiente e os direitos humanos, a Casa Branca tem indicado que não vai buscar o confronto com o Planalto neste momento.

 

RECORDE DE DESMATAMENTO

No mesmo dia da divulgação da carta, Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, usaram um debate sobre meio ambiente e sustentabilidade na reunião anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para defenderem o fim do desmatamento e da mineração ilegais no Brasil e a criação de um fundo para o desenvolvimento sustentável na Amazônia no âmbito do organismo multilateral. Guedes disse que uma prioridade de sua pasta é estabelecer as bases para uma agenda de crescimento sustentável para a região. Ambos enviaram vídeos pré-gravados.

Na tentativa de amenizar as críticas ao Brasil por seu magro desempenho em matéria de preservação ambiental — pedra no sapato do acordo entre Mercosul e União Europeia (UE), entre outros projetos paralisados — Bolsonaro afirmou que iniciativas como a criação do fundo dentro do BID demonstram “o compromisso do Brasil e dos países da região coma conservação e uso sustentável da floresta”. No ano passado, no entanto, o Brasil bateu um recorde de desmatamento: 11.088 quilômetros quadrados.

— É motivo de orgulho para nosso governo que o fundo tenha como prioridade o fomento da bioeconomia, principal pedido feito pelo Brasil ao BID —disse.

Guedes, por sua vez, afirmou que o governo quer“extirpara mineração ilegal, o desflorestamento e desmatamento ilegais”:

—O desenvolvimento sustentável da Amazônia deve ser parte de umes forço mais amplo, de aumento de produtividade, melhoria de infraestrutura e do ambiente de negócios, de desburocratização, transformação e modernização do Estado brasileiro.

Suas falas contrastam com declarações anteriores sobre a situação da Amazônia e tentativas de interferências de outros países na política ambiental brasileira.