O Globo, n.32003 , 21/03/2021. Economia, p.25

 

Nova onda digital

Henrique Gomes Batista

João Sorima Neto

21/03/2021

 

 

Após mudança forçada pela pandemia, empresas ampliam aposta em tecnologia

Há um ano, com o fechamento do comércio e dos escritórios pela pandemia, a transformação digital foi feita às pressas, para garantir a sobrevivência do negócio. Empresas dos mais diferentes setores e tamanhos tiveram de migrar suas operações, da chefia às vendas, da logística à assistência técnica, para o mundo virtual. Agora, é o momento de resolver eventuais falhas nos sistemas, aprimorar plataformas e aumentar a segurança. O investimento digital vai desde grandes redes de varejo a hotéis, passando por hospitais.

Segundo a consultoria americana Gartner, os investimentos mundiais em tecnologia da informação (TI) atingirão US$ 3,9 trilhões este ano, alta de 6,2% sobre 2020. O movimento ocorre tanto em pet shops, como a Petz — que lançou lockers para os clientes retirarem as compras feitas on-line, sem contato físico, e adotou a teleconsulta veterinária —, quanto em redes de combustíveis, como a Ale —que passou a dar treinamento pelo app de mensagens Telegram e pretende aumentar os investimentos em tecnologia este ano em 120%.

— Agora há um foco na inteligência logística e de clientes, e internamente, no cuidado com o trabalho remoto. Hoje poucas empresas têm essa inteligência de produção e distribuição integradas. Quantas empresas têm dito que está faltando papelão? Com os dados do e-commerce, é possível prever e planejar até questões como esta — afirma o vice-presidente de Strategic Industries da SAP Brasil, Jackson Borges.

É o caso da rede de materiais de construção Telhanorte:

— A onda do ano passado foi fortemente voltada para o e-commerce. Para o futuro, queremos integrar em 100% nossos canais e cadeia de suprimentos — diz Michelle Oliveira, diretora de Logística da Telhanorte.

PERSONALIZAR A ENTREGA

A tecnologia também pode melhorar a logística ao permitir que o cliente acompanhe cada passo da entrega em tempo real, assegura Alexandre Thomaz, diretor para o Brasil da Globant, multinacional argentina de tecnologia. Segundo ele, a inteligência artificial pode “aprender” o tempo extra de uma entrega em um condomínio onde a portaria é mais lenta:

— Há o objetivo de melhorar e personalizar a experiência para cada consumidor, um mesmo site pode ser totalmente individualizado.

Na Via Varejo, que congrega marcas como Casas Bahia, Pontofrio e Extra.com.br, a pandemia acelerou a mudança em dois anos. Quando a crise sanitária se instalou, a empresa era menos digital que suas concorrentes e viu o faturamento desabar 84%.

— Na hora que tudo fechou, deu meia hora de pânico —diz o presidente do grupo, Roberto Fulcherberguer. Mas a empresa conseguiu um salto de 170% no e-commerce com investimentos em tecnologia, como o “Me Chama no Zap”. Os gastos com TI passaram de R$ 253 milhões em 2019 para R$ 307 milhões no ano passado. Em 2021, a Via Varejo diz que o valor será maior, sem dar detalhes.

O diretor digital da Rede D’Or São Luiz, Ariel Dascal, conta que os investimentos em tecnologia, que dobraram em 2020, crescerão 60% este ano, em áreas como telemedicina, prontuário digital, visitas virtuais de parentes e diagnóstico:

—A inteligência artificial é uma ferramenta para auxiliar o doutor em seu processo. Já há casos de usos mais variados, principalmente em diagnóstico por imagem, e estamos muito atentos a isso.

Um dos principais desafios trazidos pela pandemia foi a redução do contato físico. Cláudio Cordeiro, da empresa de tecnologia Totvs, ressalta que o ambiente é desafiador, pois nem todos se recuperaram da queda no faturamento:

— Nesta segunda onda, projetos de tecnologia que tragam potencialização de receitas ou redução de custos estão sendo priorizados. Um dos clientes da Totvs é o Hotel Toriba, em Campos do Jordão (SP). Mesmo com o baque no turismo provocado pela Covid-19, o hotel registrou melhora nos resultados depois de investir em tecnologias para reduzir riscos de aglomeração no check-in e eliminar papéis. O cardápio, por exemplo, é consultado por QR Code.

— Antes uma reserva era feita em cinco minutos, hoje são 20. As pessoas perguntam se há soluções para evitar contato. Muitos clientes se hospedaram aqui por causa de nossas soluções—diz Vicente Brandão, responsável pela controladoria do hotel.

Evitar o contato físico é o objetivo dar e dede fast-food Burger King. Isso inclui cardápio por QR Code, pagamento por Pixo umes mo pelas tags eletrônicas de pedágio, no caso do drive thru .Eos totens de autoatendimento estão presentes em metade das lojas, contra 20% antes.

A rede, controlada pelo grupo 3G, ainda criou o cargo de chief Marketing Technology officer, ou CMTO, ocupado por Ariel Grunkraut. Sua equipe inclui até cientistas de dados.

—Projetos que estavam previstos para os próximos cinco anos foram feitos em cinco meses —diz Grunkraut.

O Pix já foi incorporado em alguns dos novos projetos da UDS Tecnologia. Outros miram áreas que não as de venda, como, por exemplo, soluções para acesso a prédios sem contato físico, conta Rafael Sapata, diretor de Tecnologia:

— Crescemos 65% em 2020 e devemos dobrar este ano. Só não será maior pela falta de profissionais.

Já a multinacional brasileira de tecnologia Stefanini viu um crescimento de 30% em novos projetos desde o terceiro trimestre de 2020. Segundo o presidente da empresa, Marco Stefanini, este será um ano de “grande salto na digitalização das empresas, com projetos estruturantes de longo prazo”.

Outra preocupação que cresce nessa segunda onda digital é a segurança. Esta é a maior preocupação de 44% dos mais de cinco mil diretores executivos de todo o mundo ouvidos em uma pesquisa da consultoria PwC.

— No Brasil, 57% das empresas afirmaram que investirão mais em cibersegurança — diz Eduardo Batista, sócio da PwC Brasil.

Cristiano Lincoln Mattos, presidente da Tempest, empresa de cibersegurança controlada pela Embraer, explica que os investimentos em segurança chegam a setores como educação. Isso se deve ao receio do vazamento de dados de alunos ou fraude no pagamento de mensalidades.