O Globo, n.32004 , 22/03/2021. País, p.5

 

Em ritmo atípico, AGU não assina ação de Bolsonaro contra estados

22/03/2021

 

 

Processo enviado ao STF mira governadores que decretaram toque de recolher para conter avanço da Covid—19. Órgão diz que ato é previsto na Constituição

Contrariando o histórico recente do cargo, o advogado-geral da União, José Levi, não assinou a ação movida na semana passada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o toque de recolher imposto na Bahia, no Rio Grande do Sul e no Distrito Federal. A ausência da assinatura foi revelada pelo jornal “Folha de S. Paulo” e constatada pelo GLOBO.

A decisão chama a atenção porque, em atuações recentes da AGU, em dezembro e em julho, a assinatura do advogado-geral sempre aparecia nas petições enviadas ao STF. Na sexta-feira, o governo ingressou com uma ação na Corte contra as medidas de restrição à mobilidade impostas pelos estados e o DF para impedir o avanço das infecções e mortes causadas pelo novo coronavírus. Na ação, que levou somente a assinatura de Bolsonaro, o governo questiona a legitimidade dos governos para decretar as restrições, que comparou ao estado de sítio.

A ação materializou as críticas feitas constantemente pelo presidente em relação às ações que envolvem distanciamento social tomadas por estados e municípios diante do agravamento da epidemia no país.

Em dezembro, Levi assinou junto com o presidente uma ação movida pela AGU em favor da Presidência, no STF, contra a desoneração de 17 setores da economia. O mesmo aconteceu em julho, quando a AGU ingressou com uma ação no Supremo contra o bloqueio de contas em redes sociais determinado pelo ministro Alexandre de Moraes no âmbito de inquéritos relatados por ele, como o das Fake News e que apura a organização de atos antidemocráticos.

Em nota, a AGU disse que o procedimento adotado na ação da semana passada está previsto na Constituição, uma vez que o presidente da República é parte legítima para mover ações diretas junto ao STF.

“Há muitas Ações Diretas com o chefe do Poder Executivo assinando sozinho (sobretudo em governos passados), prática acolhida pelo STF e que decorre de texto constitucional”, diz o texto.

A AGU informou também que José Levi se pronunciará sobre a causa no decorrer do processo.

Professor de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP), Conrado Hübner avalia que a prática é incomum, mas, juridicamente, o efeito é o mesmo.

—Por ser curioso, deu margem a interpretações: se o AGU se recusou a assinar uma tese jurídica estapafúrdia, o que é improvável porque o comportamento do AGU é de absoluta obediência; ou se há um fator simbólico da assinatura direta do presidente —avaliou Hübner.