Título: Uma reforma série e aberta
Autor: Jorge Almeida Guimarães e Renato Janine Ribeiro*
Fonte: Jornal do Brasil, 03/03/2005, Outras Opiniões, p. A11

A reforma universitária tem sido criticada pelo que é e pelo que não é. Muitos esquecem seu principal mérito, que é o de desbloquear uma questão que no governo passado esteve paralisada pelo antagonismo que o Ministério da Educação então estabeleceu com a comunidade acadêmica. Por isso mesmo, é uma façanha o governo ter conseguido o apoio, ao mesmo tempo, da União Nacional dos Estudantes e da Academia Brasileira de Ciências. Neste curto espaço, não podemos tratar de tudo que há nela, mas começaremos por um ponto decisivo, que é a exigência de um Plano de Desenvolvimento Institucional nas universidades. É segredo de Polichinelo que boa parte dos pesquisadores mais destacados, no Brasil, se opõe à eleição direta dos dirigentes universitários. Receiam o populismo. Preocupam-se com um cheque em branco dado à comunidade acadêmica sem obrigações desta com a qualidade. Ou, dito de outro modo: não pode haver autonomia sem responsabilidade. Não há autonomia sem avaliação. Ora, a reforma reconhece às instituições de ensino superior federais uma autonomia, com gestão de recursos, com garantia de estabilidade orçamentária, com possibilidade de remanejar despesas sem passar pelo MEC, que é velha reivindicação delas e as coloca num patamar próximo ao das universidades estaduais paulistas. Esse é um ganho apreciável. Mas é consensual que nem todas as Instituições de Ensino Superior (IES) públicas estão no mesmo patamar de qualificação e desempenho, fruto natural do desnível de capacitação técnico-científica que apresentam já de longo tempo. A questão, obviamente, é que se torna necessário definir métodos rigorosos de avaliação para assegurar que tudo isso funcione.

Esses pontos são atendidos em outras partes do projeto ¿ em especial, pela exigência do Plano de Desenvolvimento Institucional. O PDI é um poderoso instrumento para colocar as universidades, mesmo as mais desenvolvidas, na rota do futuro. Toda instituição estará obrigada a aprovar um PDI, que será depois discutido com o MEC. No Plano, constarão as metas que a instituição almeja atingir nos próximos anos, bem como os meios de que dispõe ou que procurará conseguir para tal fim.

Mas não é só aí que se cobrará o desempenho da universidade pública. Continuará havendo a avaliação da Capes, que por sinal estamos propondo que figure de maneira explícita no futuro diploma legal. A avaliação do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior começa a mostrar seus frutos, em particular pela grande novidade que é a comparação do desempenho do aluno que entra com o do aluno que sai ¿ o que permite ver quanto a instituição de ensino agregou à qualidade dele. Além disso, as próprias instituições que hoje têm o nome de ¿universidade¿ ou ¿centro universitário¿, se não atenderem às exigências da lei, deverão firmar compromisso dizendo o dia, mês e ano em que as cumprirão, e enquanto isso não terão as prerrogativas do nome que portam. É importante assinalar que essa regra não vale apenas para as instituições privadas. Também se aplica às instituições federais e públicas em geral.

Finalmente, um dos pontos que mais causa oposição à reforma é o princípio de que, nas instituições de ensino privadas, a comunidade acadêmica ¿ isto é, os docentes e os alunos ¿ passará a exercer um poder que até hoje não teve, no respectivo conselho superior. Isso é mais do que justo. Os alunos pagam os seus cursos, mas não são ouvidos na contratação ou demissão de professores. Os docentes são quem faz a qualidade, boa ou má, dos cursos, mas nem sempre têm voz ¿ nem mesmo quando chefiam departamentos ou dirigem unidades ¿ na definição de seus rumos.

O ensino não é uma mercadoria qualquer. O aluno que se matricula numa faculdade, se perceber que ela está ruim ou que piorou, não muda de escola com a mesma facilidade com que troca de posto de gasolina ou cancela a assinatura de TV a cabo. As mantenedoras respeitáveis nada têm a recear. Mas todas e todos devem discutir o projeto e têm o direito de mandar suas sugestões, de modo a aprimorá-lo e a fazer ¿ repetimos ¿ que se desbloqueie uma discussão que, ao longo do governo passado, foi travada em função da reticência do MEC pelo ensino superior público e de sua explícita simpatia pelo privado.

*Jorge Almeida Guimarães é presidente da Fundação Capes. Renato Janine é diretor de Avaliação da Fundação Capes