O Globo, n.32005 , 23/03/2021. Economia, p.17
Novas estratégias
João Sorima Neto
Bruno Rosa
23/03/2021
Com agravamento da pandemia, indústria e varejo têm de se readaptar
Com o agravamento da pandemia e o aumento das medidas restritivas necessárias para conter o avanço da Covid-19, indústria e varejo estão tendo de passar por uma nova onda de adaptação. Falta de matéria-prima, atrasos nas entregas por parte de fornecedores e entraves de logística colocaram empresas em alerta. Além de redução da produção e adoção de novas estratégias de atendimento, já há quem fale em aumento de preços ao consumidor.
A indústria começa a readaptar suas linhas de produção, reduzindo a velocidade de fabricação, já que alguns pedidos de lojistas têm sido cancelados. Em cidades onde foi decretado lockdown no interior de São Paulo, empresas são obrigadas a trabalhar com apenas 30% do efetivo. Além disso, o comércio fechado nesses municípios trava um dos principais canais de escoamento de produtos como roupas ou brinquedos.
Na fabricante de brinquedos Estrela, por exemplo, embora as vendas pelo e- commerce tenham crescido no ano passado, as lojas físicas ainda são as principais responsáveis pela comercialização dos produtos, segundo o presidente da empresa, Carlos Tilkian. Além disso, os prazos de entrega de matérias-primas, como termoplásticos e embalagens de papelão, subiram de 30 dias para 90 dias, e os insumos ficaram de 15% a 30% mais caros.
— Com lojas fechadas, os pedidos de novos produtos se reduzem, e isso se reflete negativamente na nossa expectativa de faturamento —afirma Tilkian. —Não houve paralisações, mas diminuímos a produção de alguns itens para não deixar o mercado totalmente desabastecido.
Alexandre Ostrowiecki, presidente da Multilaser, fabricante de eletroeletrônicos, diz que a dificuldade de fazer os produtos chegarem ao consumidor vem aumentando os custos:
— Em muitas cidades do Sul e do Sudeste, as restrições estão gerando alta nos custos logísticos, com aumento nos preços de até 15%, pois os caminhões precisam esperar até o dia seguinte para abastecer o varejo.
ATRASO NAS ENTREGAS
Ostrowiecki lembra que as cadeias produtivas globais ainda não voltaram ao nível pré-Covid, e que muitas vezes é preciso esperar meses por peças da China:
— Telas de computadores e mesmo peças de bicicletas estão demorando até seis meses para chegar ao Brasil. Isso tudo atrapalha o abastecimento. Por isso, precisamos de medidas inteligentes do setor público. O ideal é ter previsibilidade, pois, a depender do ritmo dos fechamentos, poderá haver falta de produtos.
No varejo, a preocupação com o atraso nas entregas já é uma realidade. A Kalunga, com 225 lojas no Brasil, diz que os bloqueios nas cidades elevam as vendas pela internet, como reflexo direto das restrições nas lojas físicas. Segundo Hoslei Pimenta, diretor Comercial e de Operações da rede, o fornecimento de produtos em sua central de distribuição, em Barueri, em São Paulo, sofre com interrupções desde o ano passado por conta da Covid-19:
—Há uma preocupação de como esses fechamentos nas cidades vão se refletir no abastecimento. Há problemas desde o ano passado envolvendo matérias-primas e embalagens. Hoje, temos atrasos nas entregas em algumas localidades por conta da sobrecarga das distribuidoras em algumas regiões.
Para driblar esses desafios, a empresa montou uma nova estratégia, permitindo que o próprio cliente retire nas lojas os produtos comprados pela internet, solução que já soma 30% das vendas on-line. Além disso, a Kalunga vem monitorando a situação em todas as cidades para evitar graves problemas de abastecimento.
— Quando há previsibilidade de que vai fechar, tentamos aumentar o estoque das lojas com os produtos de maior giro —diz Pimenta.
DESORGANIZAÇÃO NA CADEIA
A mesma preocupação de abastecimento ocorre no setor de construção. Segundo Fernando Guedes, vicepresidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), há atrasos no fornecimento de insumos em todo o Brasil:
—Dependendo do nível de fechamento das cidades, há dificuldade de compra e entrega. Desde o ano passado, sofremos com uma desorganização na cadeia, com o aumento nos preços dos insumos e o desabastecimento de alguns itens. Mesmo com a retomada da economia, ainda no ano passado, não conseguimos atender à demanda na integralidade.
Em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, onde uma segunda fase do lockdown deve valer até 31 de março, a DS, que produz peças para a indústria automotiva, teve de diminuir seu quadro de funcionários nas linhas de produção para 1/3 do normal. A empresa tem 200 funcionários e fabrica componentes de injeção eletrônica dos veículos.
—Embora a indústria de autopeças tenha sido considerada essencial, o decreto municipal determina que a fábrica só pode trabalhar com 30% de sua capacidade. Nossa produção vai cair 70% nesse período — conta Dorcídio Schiavetto Junior, diretor da empresa.
Considerada essencial, a indústria química não vê sua produção ser diminuída pelos lockdowns. O problema é que algumas empresas estão sendo alvo de ações e liminares que as obrigam a entregar oxigênio imediatamente a um município ou estado. Segundo Ciro Marino, presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias Químicas (Abiquim), isso desorganiza a cadeia de produção.
Enquanto a produção de oxigênio hospitalar coloca o setor em evidência, Marino diz que a indústria química está trabalhando com 70% a 90% da capacidade, comparada com o nível histórico. Os preços de alguns insumos importados subiram entre 80% e 120%, por conta da alta do dólar e do petróleo no mercado internacional.