O Globo, n.32006 , 24/03/2021. País, p.4

 

Derrota da lava jato

Carolina Brígido

André de Souza

24/03/2021

 

 

 Recorte capturado

Carmen Lúcia muda voto e STF decide que Moro foi parcial ao julgar Lula

Na maior derrota da LavaJato, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou ontem, por três votos a dois, que o ex-juiz da força-tarefa em Curitiba, Sergio Moro, foi parcial na condução do processo do tríplex do Guarujá (SP), que resultou na condenação do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em decisão anterior, o ministro Edson Fachin, relator dos processos da operação no STF, havia anulado as decisões tomadas por Moro nos processos contra o petista. O julgamento de ontem é importante porque pode implicar em outras anulações da Lava-Jato a longo prazo, além de fazer com que este processo específico tenha que recomeçar do zero.

A decisão de ontem é restrita ao processo do tríplex, como ressaltaram os ministros durante a sessão. No entanto, outros investigados da Lava-Jato que tiveram processos conduzidos por Moro podem entrar com ações no STF pedindo para serem beneficiados com o mesmo entendimento. Não há garantia de vitória para outros casos, mas o precedente aberto pode representar um risco à operação.

Em dezembro de 2018, Cármen Lúcia tinha votado pela imparcialidade de Moro. Ontem, ela mudou seu entendimento, dando o voto decisivo do julgamento. A ministra disse que levou em consideração a condução coercitiva de Lula sem prévio interrogatório, a interceptação telefônica de pessoas ligadas ao ex-presidente “ao arrepio da lei”, antes de adotar outras medidas, e a divulgação seletiva de áudios de gravação. Cármen Lúcia reforçou que o caso em julgamento é apenas o de Lula:

— Estamos julgando um habeas corpus de um paciente (Lula) que comprovou estar numa situação específica. Não acho que o procedimento se estenda a quem quer que seja, que a imparcialidade se estenda a quem quer que seja, ou atinja outros procedimentos. Essa peculiar e exclusiva situação do paciente neste habeas corpus faz com que eu me atenha a este julgamento, a esta singular condição demonstrada relativamente ao comportamento do juiz processante em relação a este paciente — enfatizou a ministra, reforçando que o combate à corrupção tem que continuar.

Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que também votaram para declarar Moro parcial, também reafirmaram que a decisão se refere apenas a Lula.

— Ressalto que a suspeição do julgador se fundamenta em fatos concretos e específicos contra Luiz Inácio Lula da Silva, em razão de interesses políticos próprios do ex-juiz Sergio Moro. Assim, a suspeição declarada não é aqui estendida a outros processos ou réus da denominada Operação Lava Jato — disse Gilmar, na sessão de 9 de março.

Relator do processo, Fachin já tinha votado para declarar Moro imparcial dois anos atrás. Ontem, Nunes Marques acompanhou essa posição. Em seu voto, ele apontou questões processuais para rejeitar o pedido da defesa. Segundo ele, o habeas corpus não seria o tipo de ação adequada para avaliar a suspeição de um juiz, ressaltando que a defesa tinha tentado três vezes por procedimento específico, sem sucesso. Gilmar, que já votara, criticou duramente o voto do colega.

— Isso tem a ver com garantismo? Nem aqui nem no Piauí, ministro Kassio! —disse, ao se referir ao estado natal de Nunes Marques. E acrescentou:

— Algum dos senhores compraria hoje um carro do Moro? Algum dos senhores seria capaz de comprar um carro do Dallagnol? São pessoas probas? —questionou.

Gilmar também chamou o colega de covarde.

— Não se trata de ficar brincando de não conhecer habeas corpus. É muito fácil não conhecer um habeas corpus. Atrás, muitas vezes, da técnica de não conhecimento de habeas corpus, se esconde um covarde. E Rui (Barbosa) falava: o bom ladrão salvou-se, mas não há salvação para o juiz covarde.

EMBATE NA CORTE

Nunes Marques se defendeu em seguida:

—Eu não falo muito, porque não gosto muito da minha própria voz. Não vou fazer réplicas, tréplicas, expus minhas ideias com solar clareza. Meu contributo é com o silêncio. Esse silêncio é em homenagem e respeito aos votos divergentes, àqueles que pensam de forma diferente. E, se eu dissesse que tivesse algo a ensinar aos senhores, me iriam chamar de professor de Deus.

Nunes Marques também protestou contra a fala de Gilmar sobre o Piauí:

—Quando vossa excelência diz que o garantismo não é nem aqui, nem no Piauí, pode ser interpretado como uma forma de menosprezar um estado pequeno. Queria fazer esse registro e apresentar escusa se eventualmente no meu voto ofendi a forma de pensar dos senhores, apenas retratei a minha forma de pensar.

O procurador Deltan Dallagnol, que foi um dos responsáveis no Ministério Público Federal de Curitiba pelas investigações da Lava-Jato, reagiu com ironia em defesa do legado da operação: “Os R$ 5 bi devolvidos por criminosos confessos aos cofres públicos não cresceram em árvores”, escreveu o procurador em seu Twitter.