O Globo, n.32006 , 24/03/2021. País, p.10

 

Marco Aurélio nega liminar contra governadores

Carolina Brígido

24/03/2021

 

 

Ministro do STF rejeita pedido de Bolsonaro para suspender toque de recolher imposto no Distrito Federal, na Bahia e no Rio Grande do Sul para conter a Covid—19. Decisão será levada a plenário, mas Corte sinaliza que manterá sentença

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou ontem liminar pedida pelo presidente Jair Bolsonaro e manteve válidos os decretos dos governos do Distrito Federal, da Bahia e do Rio Grande do Sul com restrições de circulação de pessoas para conter a Covid-19. A decisão deve ser enviada para análise do plenário, mas ainda não há data definida para o julgamento ocorrer.

Marco Aurélio chamou de “erro grosseiro” o fato de o presidente ter assinado sozinho a ação e ressaltou que ali deveria constar também a assinatura da Advocacia Geral da União (AGU).

“O Chefe do Executivo personifica a União, atribuindo-se ao Advogado Geral a representação judicial, a prática de atos em Juízo. Considerado o erro grosseiro, não cabe o saneamento processual”, escreveu o ministro. O magistrado completou: “Há um condomínio, integrado por União, Estados, Distrito Federal e Municípios, voltado a cuidar da saúde e assistência pública. Ante os ares democráticos vivenciados, impróprio, a todos os títulos, é a visão totalitária. Ao Presidente da República cabe a liderança maior, a coordenação de esforços visando o bem-estar dos brasileiros”.

Em caráter reservado, ministros do Supremo disseram ao GLOBO que o pedido de Bolsonaro não deve ser atendido no julgamento em plenário. Segundo eles, as medidas adotadas pelos governadores são necessárias e não podem ser comparadas com o estado de sítio, como alegou o presidente.

AUTONOMIA LOCAL

A ação, assinada pelo próprio Bolsonaro, foi ajuizada no STF na última sexta-feira. Segundo ele, não há previsão legal para o toque de recolher que tem sido adotado em alguns estados. A ação pede que o Supremo determine que o fechamento de atividades não essenciais durante a pandemia só pode ocorrer com base em lei aprovada pelo Legislativo, e não por decreto baixado por governadores.

A jurisprudência recente do STF é no sentido de dar autonomia aos governadores e prefeitos para tomar atitudes no sentido de frear a pandemia. Assim como o governo federal, as autoridades locais têm o poder de baixar decretos restringindo a mobilidade da população, conforme decisão tomada pelo Supremo no ano passado. Esse entendimento deve ser mantido em plenário diante da ação proposta por Bolsonaro.

Na quinta-feira à noite, Bolsonaro disse em sua live semanal que recorreria ao STF para acabar com “abusos”. Na visão dele, os governadores impuseram “estado de sítio” ao editar medidas restritivas. O discurso do presidente foi reforçado no dia seguinte, em conversa com a imprensa.

— Onde é que nós vamos parar? Será que o governo federal vai ter que tomar uma decisão antes que isso aconteça? Será que a população está preparada para uma ação do governo federal dura no tocante a isso? — questionou Bolsonaro.

DISCURSO A APOIADORES

No domingo, dia em que completou 66 anos, o presidente reforçou a apoiadores que se aglomeraram em frente ao Palácio da Alvorada a sua postura contrária às medidas restritivas de circulação. E ainda usou tom de ameaça:

— Alguns tiranetes, ou tiranos, tolhem a liberdade de muitos de vocês. Podem ter certeza que o nosso Exército é o verde-oliva e é o de vocês também —disse.

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Outras reações do Supremo

24/03/2021

 

 

> Em janeiro, o STF divulgou nota para desmentir o presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores, que costumam repetir que decisão da Corte o impede de tomar decisões para combater a pandemia nos estado e municípios. A Corte reiterou que a deliberação estabelecia que “União, Estados, Distrito Federal e municípios têm competência concorrente na área da saúde pública para realizar ações de mitigação dos impactos do novo coronavírus”.

> O mesmo assunto levou o ministro Gilmar Mendes ao Twitter para chamar de “fake news” um comentário, feito em inglês, pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, num post da CNN americana sobre a pandemia no Brasil. O STF “decidiu que as administrações federal, estaduais e municipais têm a autoridade para adotar medidas de distanciamento social”.

> Também em janeiro, o ministro Ricardo Lewandowski instaurou inquérito para investigar a conduta do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em relação à crise na saúde pública de Manaus, que registrou falta de oxigênio medicinal em hospitais .

> Na semana passada, o presidente da Corte, Luiz Fux, quis saber de Bolsonaro se ele tinha intenção de instituir estado de sítio no país, após o presidente comparar o ato ao toque de recolher imposto por governadores para conter o avanço da Covid.