O Globo, n.32006 , 24/03/2021. Sociedade, p.11
3.158 mortes em 24h
Rafael Garcia
Suzana Correa
24/03/2021
Covid-19 tem seu dia mais letal e supera outras doenças no país
O Brasil registrou ontem 3.158 mortes por Covid-19, a maior marca desde o começo da pandemia e a primeira a superar o limite dos três milhares. Nenhuma outra causa de morte no Brasil mata como a Covid-19 matou neste dia.
Mesmo as doenças cardiovasculares, as mais mortais no país, levam três dias, somadas, para matar 3.000 pessoas. Infecções respiratórias, todas juntas, levam 13 dias para matar o mesmo, e a violência leva 19 dias.
A taxa recorde ocorreu no pior momento da epidemia e também empurrou para cima a média móvel semanal de mortes por coronavírus, que chegou a 2.349.
O coletivo de cientistas Observatório Covid-19 BR, que monitora a pandemia, vê a tendência de mortes em alta. O número de casos registrados da doença (incluindo os não letais) e de registros por síndrome respiratória aguda grave começa a dar sinais de estabilização. Mas os números demoram a ser consolidados, e possuem grande margem de erro.
Para o epidemiologista Paulo Lotufo, o perfil atual da pandemia parece ter um recorte um pouco mais jovem, apesar de dados ainda serem incompletos.
— É um horror. A doença hoje tem vitimado muitas pessoas entre 45 e 60 anos, que estavam no auge profissional, não davam custos para a saúde do Estado e contribuíam para a previdência do país. Essas vidas estão sendo perdidas, bem como as de jovens cuja sociedade investiu na formação e que se foram —disse Lotufo.
Para Maria Amélia Veras, professora de epidemiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, as mortes, por si só, derrubam o discurso contra medidas de isolamento para proteção da economia, mesmo que muitas das mortes ainda se concentrem entre os mais velhos.
— Muitos aposentados e pensionistas sustentam famílias. Isso é realidade principalmente nas faixas de mais baixa renda no Brasil — diz Veras. — Isso tem um impacto econômico também por causar perdas de estrutura familiar e arranjos que pessoas mais velhas ocupam, cuidando de netos e crianças para pessoas mais jovens trabalharem.
HIV E VACINAÇÃO
Não existe doença infecciosa no Brasil que chegue a matar perto do que a Covid-19 matou ontem. A Covid-19 matou entre março de 2020 e março de 2021 mais do que a Aids vitimou desde 1996. Foram 294 mil mortes, contra 281 mil.
—Agente já suplantou todas as piores estatísticas que a epidemia de HIV e Aids teve tanto nos piores anos quanto no acumulado—afirma Veras.
Diferentemente do que ocorre coma Aids, porém, a vacinação para Covid-19 já começou. O Brasil conseguiu aplicara primeira dose de vacina contra Covid-19 até agora em 12,8 milhões de pessoas (6% da população), e 4,3 milhões já receberam a segunda dose, o que representa uma cobertura vacinal completa de 2%.
—Em alguns poucos lugares estamos observando um decréscimo de letalidade entre as faixas etárias bem mais velhas, onde já teve vacinação substancial — diz Veras, da Santa Casa. Nos números nacionais, porém, o impacto ainda não é perceptível, afirma.
FORA DE CONTROLE
Segundo Gulnar Azevedo, presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), a mortalidade por Covid-19 afeta estados de forma desigual. No Rio, que possui população mais envelhecida, a mortalidade de 5,6% é superior às de São Paulo (2,9%) e Amazonas (3,5%). Os dados, segundo a pesquisadora, mostram que as mortes por Covid-19 entre março de 2020 e o mesmo mês de 2021 representaram 18,8% das mortes no país.
— Uma média móvel acima de 2 mil mortes pela doença, como a que temos agora, é inaceitável. É uma pessoa morta a cada dois minutos, e medidas são necessárias. A pandemia está descontrolada e, se nada for feito, esperamos aumento expressivo nas mortes diárias por Covid —alerta Azevedo.
Na média de desde o início da pandemia, a Covid-19 ainda não mata tanto quanto as doenças cardiovasculares no Brasil. Mas a tendência é que a doença lidere o ranking de causas de morte.