O Globo, n.32006 , 24/03/2021. Sociedade, p.12

 

Médicos ligam uso de ivermectina a lesões no fígado

24/03/2021

 

 

Ao menos quatro pacientes que tomaram remédios sem comprovação contra Covid aguardam transplante do órgão em São Paulo

O uso indiscriminado de medicamentos do chamado “kit Covid”, como a ivermectina, levou pacientes a desenvolver graves lesões no fígado, que demandam até necessidade de transplante, segundo médicos do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e do hospital da Universidade de Campinas (Unicamp).

Ao menos quatro pacientes que fizeram uso desses remédios estão na fila de transplantes após serem atendidos nesses dois hospitais. O uso de ivermectina, hidroxicloroquina e outros medicamentos que não têm eficácia comprovada contra o coronavírus está sendo apontado como causa de morte por hepatite de ao menos três pessoas, segundo reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo”.

Segundo o professor Luiz Carneiro D’Albuquerque, diretor do Serviço de Transplantes de Órgãos do Aparelho Digestivo do HC da USP, um transplante de fígado foi feito em uma mulher de 61 anos, sem comorbidades, que teve Covid-19 no ano passado e tomou ivermectina. Os médicos identificaram lesões irreversíveis nos dutos hepáticos, associadas a quadros infecciosos.

— A ivermectina seca os dutos biliares e faz com que a bile deixe de ser eliminada e volte para o sangue, causando infecções — disse D’Albuquerque ao GLOBO.

Na mesma UTI, um homem de 53 anos, de porte atlético e sem antecedentes de doenças crônicas, aguarda entrar na lista de transplantes. Ele foi diagnosticado com Covid-19 em dezembro passado e, logo depois do Natal, notou os olhos amarelos. Ao fazer os exames, soube que tinha lesões graves no fígado.

Ele relatou uso continuado de ivermectina, azitromicina e, quando teve Covid, também amoxicilina.

—Ele tomou tudo o que tinha direito e, quando teve Covid, não precisou ser hospitalizado e achou que estava bem. O problema veio depois —disse o médico.

No Hospital das Clínicas de Campinas, a professora Ilka Boin, coordenadora do serviço de transplante de fígado, afirma que as lesões hepáticas que vêm sendo encontradas em alguns pacientes são lesões tóxicas medicamentosas. Nos casos que estão sendo descritos, os únicos remédios tomados são os do “kit Covid”.

— As pessoas tomam há 40, 50 dias. É preciso dizer que a única forma de prevenção é a vacina — disse a professora. —Esses medicamentos não têm indicação para Covid no mundo todo.

Um grupo de associações médicas divulgou ontem nota afirmando que medicamentos como a cloroquina e a ivermectina devem ser “banidos”. A manifestação ocorreu em um boletim do Comitê Extraordinário de Monitoramento Covid-19, organizado pela Associação Médica Brasileira (AMB).