O Globo, n.32006 , 24/03/2021. Economia, p.19

 

Economia com censo agora deve piorar gasto público no futuro

Fernanda Trisotto

24/03/2021

 

 

Para ex—presidentes do IBGE, corte em Orçamento e adiamento da pesquisa prejudicam de políticas sociais a repasses a estados

Inicialmente previsto para 2020, o Censo já havia sido adiado por causa da pandemia de Covid-19. A redução de 88% dos recursos previstos — de R$ 2 bilhões para R$ 240 milhões —inviabilizaria a realização da pesquisa. Os principais efeitos seriam sentidos nos repasses de recursos da União para estados e municípios via fundos de participação; na elaboração e avaliação da eficácia de políticas públicas, como o auxílio emergencial e o Bolsa Família; em ações de planejamento urbano e em avaliações sobre o mercado de trabalho.

Para Sérgio Besserman, presidente do IBGE entre 1999 e 2003, a eventual economia obtida com a transferência de recursos que seriam usados para o Censo é mau negócio, porque representa uma piora do gasto público no futuro:

—Perde-se muito mais, o valor cortado da pesquisa multiplicado N vezes, em eficácia das políticas públicas. Só em auxílio emergencial e Bolsa Família, o Censo 2021 permitiria chegar com muito mais eficiência aos bolsões de pobreza, aos mais necessitados, e ao mesmo tempo economizaria muitos recursos (do governo).

O economista é um dos signatários de uma carta em que ex-presidentes do órgão de pesquisa defendem a manutenção do Orçamento para a realização do Censo neste ano.

—A gente espera que mais adiante ainda melhore (a situação da pandemia). Se continuar como está, não será possível fazer (o Censo).

Mas, se cortar o dinheiro agora, aí que não vai ter mesmo. Seria prudente deixar o dinheiro no Orçamento e mais para frente decidir o que fazer — comenta Simon Schwartzman, que comandou o IBGE entre 1994 e 1999 e também assina o documento.

RECONSTRUÇÃO PÓS-CRISE

O Censo é ferramenta importante para a melhor alocação de recursos públicos para os fundos de municípios e estados. O Fundo de

Participação dos Municípios (FPM) costuma ser a principal fonte de receitas das cidades pequenas. Edmar Bacha, que presidiu o IBGE nos anos 1980, vê riscos que extrapolam a distribuição dos recursos para esses fundos:

— O próprio federalismo estaria ameaçado, porque sem o Censo não teria a base para fazer a distribuição de impostos e recursos para os estados e municípios de maneira correta.

Besserman diz que sem a pesquisa fica muito mais difícil detectar movimentos migratórios que possam ter provocado maior crescimento de pequenas cidades, que consequentemente receberão repasses inferiores aos que necessitam.

Os prejuízos da não realização do Censo não afetam só os governos, embora as políticas públicas sejam as mais impactadas. Schwartzman destaca que o levantamento é ainda mais relevante em um momento de reconstrução pós-crise imposta pela pandemia de Covid-19:

— Sem o Censo, cada vez mais as políticas vão ficando mais incertas, e não é só para o governo. Vários setores da sociedade precisam disso, o setor privado também usa demais as informações estatísticas do Censo. São muito estratégicas.

Em artigo publicado no GLOBO, a atual presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra, e o diretor de pesquisas, Eduardo Rios Neto, destacaram que o instituto vem se preparando desde o ano passado para realizar o Censo diante das adversidades e trabalha com três pilares.

O primeiro prevê a flexibilização do cronograma de pesquisa, para garantir segurança sanitária a recenseadores e população. O segundo privilegia um modelo misto de coleta de dados, com recenseamento presencial, entrevista telefônica e autopreenchimento de formulário pela internet. A última aposta é no uso de tecnologias para monitorar e supervisionar a operação.

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Como os dados impactam a vida da população

24/03/2021

 

 

> Distribuição de recursos. A contagem populacional atualizada feita pelo Censo permite fornecer informações precisas para a definição das cotas dos fundos de participação dos estados (FPE) e municípios (FPM). As transferências são definidas com base no número de habitantes de cada localidade.

> Transferência de renda. O Censo traz dados que permitem delimitar o perfil populacional e calcular taxas de cobertura de políticas de transferência de renda, como o auxílio emergencial e o Bolsa Família. A atualização da pesquisa pode embasar as discussões para a reformulação do programa, além de trazer dados para formulação de políticas de emprego e educação.

> Campanhas de vacinação. O detalhamento da população em risco, por idade e sexo, pode indicar onde há maior ou menor chances de contágio. Esses dados também servem para calibrar condições de recuperação no período póspandemia, por exemplo.

> Planejamento urbano. As informações sobre renda, perfil migratório e demandas reprimidas da população impactam desde discussões sobre loteamentos de moradias populares, passando por transporte e equipamentos públicos, até a execução de grandes obras.