Valor Econômico, n. 5199, v.21, 03/03/2021. Brasil, p.A3

 

 

Variante não põe vacina em xeque, dizem pesquisadores

 

 

Medidas de proteção continuarão necessárias mesmo depois da vacinação, defende pesquisadora

Por Ana Conceição — De São Paulo

 

 

A variante brasileira do coronavírus, chamada P.1. pode driblar o sistema imunológico de pacientes vacinados com a Coronavac, mas isso não coloca em xeque a eficácia da vacina, afirmam pesquisadores que participaram de um experimento realizado na Universidade de Campinas e publicado em formato preprint na revista científica “The Lancet”, ou seja, uma pré-publicação que passará pelo crivo de outros pesquisadores.

 

Segundo o estudo, o plasma sanguíneo colhido de oito pessoas que receberam a segunda dose de Coronavac há cerca de cinco meses tinha baixa quantidade de anticorpos capazes de neutralizar tanto a variante brasileira do coronavírus, chamada P.1., quanto a linhagem B, que circulou no país logo no início da pandemia de covid-19.

 

A presença das respectivas cepas do vírus no plasma das oito pessoas, vacinadas durante a fase de testes da Coronavac, foi identificada por meio de sequenciamento genético.

 

Em outro experimento feito pela mesma equipe, os anticorpos presentes no plasma de pessoas que tiveram covid-19 e se recuperaram são muito menos eficientes para neutralizar a variante brasileira do coronavírus, chamada P.1., do que a linhagem B.

 

O que esses estudos ainda preliminares indicam é que pessoas que já tiveram a doença ou que já foram vacinadas podem contrair o vírus novamente e transmiti-lo para outras pessoas. Isso não significa, porém, que a Coronavac - a vacina testada no caso - é menos eficaz na prevenção de formas grave e moderada da doença, afirma José Luiz Proença Módena, professor do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenador do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (Leve), onde os experimentos foram realizados.

 

“Esses resultados indicam que pessoas já vacinadas ou que tenham tido covid-19 podem ser reinfectadas. Não significa em hipótese nenhuma que a vacina não seja eficaz”, diz Módena. Os achados reforçam, ainda, a necessidade de, mesmo após a vacinação, manter cuidados como o uso de máscaras e o distanciamento social, para evitar a contaminação pela variante P.1. ou quaisquer outras que se desenvolvam no país.

 

Segundo Módena, a queda de anticorpos entre indivíduos imunizados com a Coronavac, produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, não é novidade. O fenômeno foi identificado na fase 2 dos estudos clínicos da vacina.

 

O pesquisador ainda reforça que o potencial de reinfecção por coronavírus tem sido confirmado por outros fatores, como os diferentes relatos de reinfecção no país e pelo tamanho da circulação do vírus em Manaus. Segundo Módena, o número de indivíduos analisados no experimento com a vacina é pequeno e são necessários mais estudos.

 

É preciso lembrar que todas as vacinas disponíveis para combater a covid-19 não barram o vírus, mas previnem formas graves da doença. “Se quisermos ter uma vacina no futuro que barre a transmissão, talvez tenhamos que pensar em outras estratégias”, diz.

 

Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e membro do Comitê Científico e Clínico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) diz que, embora seja preocupante o fato de os anticorpos não neutralizarem a variante P.1., o fenômeno não é surpresa. Ela ressalta, ainda, que os anticorpos não são a única linha de defesa do organismo. Outras são a imunidade celular, que pode ser induzida pela vacina. “As vacinas não impedem que se contraia o vírus, não são esterilizantes, mas induzem imunidade”, diz Bonorino. Ela também reforça que medidas de proteção continuarão necessárias mesmo após a vacinação.