O Globo, n.32007 , 25/03/2021. Economia, p.17
Novo capítulo
Manoel Ventura
25/03/2021
Relator da proposta quer mudar modelo de venda da estatal, o que pode adiar processo
Relator da MP da privatização da Eletrobras, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) estuda novo modelo de venda da estatal, o que pode atrasar o processo. Enquanto o texto original prevê que o governo abra mão do controle por meio de capitalização, ele avalia a venda integral da empresa ou fatiada.
Relator da medida provisória (MP) que trata da privatização da Eletrobras, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) avalia mudar completamente o modelo proposto pelo governo para a venda da estatal, o que assustou o mercado financeiro e investidores interessados na proposta. Técnicos dos ministérios da Economia e de Minas e Energia alertam que a adoção de um novo formato pode adiara privatização para depois de 2022.
Nascimento teve uma série de reuniões nos últimos dias com gestores, investidores e integrantes da equipe econômica. Nos encontros, todos reservados, o deputado disse que iria propor um modelo alternativo. Uma das ideias dele é fatiara estatal ou vendê-la inteira para um só comprador ou para um grupo de compradores. Depois da sinalização, o governo correu para tentar convencer o deputado a manter a proposta original.
A proposta do relator vai contra o modelo que vem sendo negociado desde 2018, ainda durante o governo Michel Temer. AMP propõe uma capitalização na Bolsa de Valores como forma de a União perder o controle da estatal. A empresa seria transformada numa corporação sem controlador definido. Esseéo modelo de administração de grandes empresas de energia no mundo.
DIVISÃO EM DUAS
De todo o dinheiro arrecadado coma capitalização, cerca de R$ 25 bilhões ficariam nos cofres do Tesouro; outros R$ 25 bilhões seriam destinados para reduzir as contas de luz; e R $8,75 bilhões iri ampara projetos de revitalização de bacias hidrográficas por uma década. A transferência de recursos durante dez anos para a Amazônia, o Rio São Francisco e para rios soba influência de Furnas (subsidiária da Eletrobras com forte atuação em Minas Gerais) foi negociada pelo governo durante meses para garantir o apoio de deputados do Norte, Nordeste e de Minas Gerais à privatização.
Nas conversas com os investidores, o deputado Elmar Nascimento tem falado em dividira empresa em duas. Uma parte permaneceria como estatal e reuniria a hidrelétrica Itaipu, na divisa com o Paraguai, e as usinas nucleares localizadas em Angra dos Reis —em ambos os casos, as usinas não podem ser privatizadas. A outra parte seria composta por subsidiárias como Furnas, Eletronorte e Chesf. Elas seriam vendidas juntas ou separadas, o que ainda não estaria definido.
Nos encontros, Nascimento tem falado em números muito maiores do que os apontados pelo governo, na casa de centenas de bilhões, coma venda de ativos para “investidores estratégicos”.
O mercado avalia que esse montante não érea lista eque a empresa perderia valor com o fatiamento. Também foi destacado que a Eletrobras é uma holding de capital aberto e retirar ativos dessa empresa vai reduzir o seu valore afastar investidores.
Os investidores têm ressaltado que o modelo do governo é discutido há mais de dois anos e uma mudança brusca ago rafaria atrasar ainda mais o processo. Um gestor levantou o temor de o modelo proposto não ser assimilado pelos deputados e senadores. Sobre isso, Nascimento respondeu nas reuniões que precisaria obter um acordo com os parlamentares e que poderia levar o modelo para análise do presidente Jair Bolsonaro.
CONTROLE DE MERCADO
Para o professor da UFRJ Nival dede Castro, apenas investidores chineses teriam dinheiro e interesse em comprar a empresa unificada. Além disso, ele afirma que seria arriscado vendera empresa em bloco para um só comprador:
—O problema é que a Eletrobras tem um peso muito grande na transmissão ena geração de energia. Ter uma empresa desse tamanho privatizada para um só comprador pode criar um problema de controle de mercado. Vender em bloco é praticamente passar para chinês. Seria o único com recurso e visão de investimentos de longo prazo.
Os ministérios da Economia e de Minas e Energia (MME) têm trabalhado para concluir o processo em 2022. Reservadamente, técnicos das duas pastas avaliam que uma mudança no modelo poderia empurrara privatização para depois de 2022. Além disso, o BNDES já está tocando os estudos para a capitalização da Eletrobras com base no modelo da MP. Uma mudança agora iria obrigar uma nova análise por parte do banco.
Os técnicos também ressaltam que o fatiamento tira valor da empresa eque seria muito difícil encontrar compradores para cada empresa separadamente. Além disso, vender fatiado poderia abrir espaço para um determinado país comprar uma operação como Furnas — argumento que costuma sensibilizar políticos.
Procurado, o MME disse que está “conversando e esclarecendo todas as dúvidas do relator”. O ministério da Economia não respondeu.
As movimentações do deputado ocorrem num momento em que a Eletrobras tem um comando interino, após a renúncia de Wilson Ferreira. O governo não indicou até agora o novo nome para a presidência da estatal. A Eletrobras contratou um headhunter para escolher o CE O, masa decisão final será do Palácio do Planalto.