O Globo, n.32007 , 25/03/2021. Mundo, p.23

 

Em sessão conturbada, senadores pedem que Araújo deixe o cargo

Eliane Oliveira

25/03/2021

 

 

Chanceler nega que Vá sair; gesto do assessor presidencial ,Filipe Martins tumultua evento e será investigado pelo Senado 

Em uma sessão conturbada no plenário do Senado ontem, a maioria dos senadores presentes pediu a saída do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, do cargo após duras críticas à sua atuação na estratégia de conseguir vacinas de outros países. O chanceler afirmou que não pretende deixar aposição.

No meio da sessão, o assessor internacional da Presidência da República, Filipe Martins, que estava sentado atrás do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEMMG), fez um gesto interpretado como obsceno e gerou revolta de parlamentares.

—Em seu lugar[ Araújo ], pediria demissão hoje. Quando se entra em vida humana, gostaria de saber como foi o convívio neste ano todo ignorando a pandemia. O senhor não sente que colocou a digital nisso? Viu 300 mil mortes e 12 milhões de pessoas infectadas? O senhor ouviu o presidente dizer que era uma gripezinha. Faça um bem para o país e saia do Ministério das Relações Exteriores — afirmou o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO).

A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) disse que a continuidade de Araújo à frente da diplomacia brasileira faz mal à imagem do Brasil:

—Vocês agiram sem humanidade. O senhor realmente se sente possibilitado a continuar nesse cargo? A nossa cara agora é de um país que está colocando o planeta em risco. Por favor, chanceler, ponha a cabeça no travesseiro e pense. O senhor não foi bom para o Brasil —disse Gabrilli.

‘PÁRIA INTERNACIONAL’

Já o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) afirmou que o Brasil se tornou um pária internacional e que os resultados da gestão de Araújo são fatais.

— O senhor não tem mais condições de ficar no Ministério das Relações Exteriores. Enãoép ara criar umac ris e,é para solucionar —afirmou.

O ministro foi cobrado por ter viajado a Israel em busca de um remédio cuja eficácia não é comprovada, pelos problemas que teve com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, e pela demora de Bolsonaro em reconhecer Joe Biden como presidente dos Estados Unidos.

— Todos os dias, vou para a cama, fecho os olhos e durmo com minha consciência limpa, tanto notemada Covid como em outros. Em cada dia trabalhei pelo Brasil—respondeu Araújo.—Me sinto enaltecido quando sou criticado por coisas em que acredito .

Coma voz embargada, o chanceler disse ter “feito todo o possível a ajudar o país na pandemia, assim como o presidente Bolsonaro”.

—Estou dando toda a minha vida por isso, porque é nisso que eu acredito. Contarei aos meus netos que participei de um projeto bem-sucedido, que livrou o Brasil da corrupção, do atraso e da falta de condições. Tenho amor profundo pelo povo brasileiro.

Araújo já havia afirmado pela manhã, em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, que não deixaria o Itamaraty, e aproveito upara criticara imprensa.

— Quando quero ser bem informado, não leio o que diz a imprensa —afirmou, em referência às notícias de que crescem pressões para que o presidente Bolsonaro troque o comando do Itamaraty.

A sessão do Senado, no entanto, foi mais tumultuada. Além dos pedidos para que Araújo deixe o cargo, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) pediu a expulsão de Filipe Martins do plenário, após o assessor internacional da Presidência fazer um gesto com a mão—juntando os dedos polegar e indicador em um círculo e deixando os outros três dedos esticados — tido como obsceno, no momento em que Pacheco se pronunciava.

— Eu não sei qual o sentido do gesto do senhor Filipe, era bom que ele explicasse, mas issoé inaceitável, em uma sessão do Senado Federal, durante a fala do presidente do Senado, um senhor está procedendo de gestos obscenos, está ironizando o pronunciamento do presidente da nossa Casa. Não, isso é inaceitável e intolerável — afirmou Randolfe. — Não aceitamos que um capacho do presidente da República venha ao Senado, durante a fala do presidente do Senado, nos desrespeitar.

APENAS AJEITANDO A LAPELA

Ao GLOBO, Martins negou que tenha feito gestos obscenos, mesmo porque, segundo ele, não ganharia nada com isso. Em seguida, ele publicou em uma rede social que estava apenas ajeitando a lapela do terno. “Um aviso aos palhaços que desejam emplacar a tese de que eu, um judeu, sou simpático ao ‘supremacismo branco’ porque em suas mentes doentias enxergaram um gesto autoritário numa imagem que me mostra ajeitando a lapela do meu terno: serão processados e responsabilizados, um a um”, escreveu.

Em muitos países, o gesto que Martins fez também é interpretado como o símbolo de “White Power” —o círculo seria um P e os três dedos esticados um W.À noite, op residente do Senado ordenou a abertura de uma investigação interna sobre o incidente.

Ainda na Câmara, Araújo disse que as relações do Brasil coma China jamais foram abaladas por seus atritos como embaixador chinês, Yang Wanming. Para o ministro, o diplomata teve reação desproporcional, ao rebater declarações do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em relação a Pequim.

O clima nos bastidores, porém, é outro. Araújo está na mira de Rodrigo Pacheco e do presidente da Câmara, Arthur Lira, que realizaram reuniões com o Wanming e outros representantes de Pequim, tentando encontrar maneiras de comprar mais doses e agilizar o envio dos insumos para a produção da vacina da Fiocruz, segundo a colunista do GLOBO Malu Gaspar. Pacheco e Lira ouviram dos chineses que, com Araújo no Itamaraty, não tem conversa.