O Globo, n.32008 , 26/03/2021. País, p.5

 

A insatisfação do Centrão com Bolsonaro ganha corpo no Congresso

Thiago Prado

26/03/2021

 

 

“Não tem nenhum problema entre nós”, disse Jair Bolsonaro sobre Arthur Lira ontem, ao término do encontro entre os dois e Ciro Nogueira no Planalto. Não é verdade. Tem problema, sim, e os três sabem disso depois da declaração da noite de quarta-feira sobre a possibilidade de uso de “remédios amargos” no Parlamento para combater a “espiral de erros” no combate à Covid.

Desde a eleição para o comando da Câmara, em fevereiro, Bolsonaro não colocou em prática quase nada do que Lira o aconselhou a fazer. O deputado deixou claro algumas vezes que achava que os militares estão excessivamente representados no governo e que o ministro da Economia, Paulo Guedes, concentra poderes demais nas suas mãos. Também já fez críticas à atuação apagada do ministro da Educação, Milton Ribeiro.

O Planalto ignorou os palpites — a única atitude para atender ao Centrão na Esplanada até agora foi a nomeação do deputado João Roma para o Ministério da Cidadania. Quando parecia que Lira e sua turma finalmente seriam atendidos com a queda do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, veio a reviravolta e a nomeação do cardiologista Marcelo Queiroga, em detrimento de nomes preferidos pela base aliada do presidente.

O Planalto ignorou os palpites — a única atitude para atender ao Centrão na Esplanada até agora foi a nomeação do deputado João Roma para o Ministério da Cidadania. Quando parecia que Lira e sua turma finalmente seriam atendidos com a queda do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, veio a reviravolta e a nomeação do cardiologista Marcelo Queiroga, em detrimento de nomes preferidos pela base aliada do presidente.

“Ele chamou o Congresso para dividir a culpa pela tragédia no combate à pandemia ao criar um comitê e tirar foto junto dos líderes. Logo, também tem que chamar para dividir o poder”, diz um dos mais próximos interlocutores de Lira e Ciro Nogueira. Não se trata apenas de dar cargos e emendas — a proposta de Orçamento em discussão ontem no Congresso, aliás, contempla um aumento substancial da quantidade de recursos nas mãos de parlamentares.

O que Lira e seu entorno avaliam é que a gravidade da crise do coronavírus começou a contaminar os parlamentares em suas bases. A população quer mais vacinas e menos asfalto, quadras de esportes e quaisquer outras entregas típicas das tradicionais emendas. A essa altura do campeonato, avaliam os líderes do Centrão, não dá mais para admitir atitudes como a do senador Flávio Bolsonaro, que, na última quarta-feira, compartilhou em um grupo de WhatsApp de parlamentares uma mensagem usando a expressão “vírus chinês” e com mais uma insistente defesa da cloroquina como método de tratamento.

O Centrão não quer derrubar Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores por qualquer interesse no cargo em si, nada atrativo no quesito verbas e capilaridade. A questão está na percepção captada por Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, após dois movimentos feitos nas últimas semanas. O presidente da Câmara apelou em carta ao embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, para ajudar o país na agilidade de oferta do insumo para a vacina da Fiocruz, que a cada semana reduz a promessa de entrega de imunizantes. Também por escrito, Pacheco pediu para Kamala Harris, vice-presidente de Joe Biden nos Estados Unidos, vacinas estocadas no país que não estão sendo usadas.

O Congresso percebeu nos últimos dias que a presença de Ernesto no Itamaraty, um apoiador declarado de Donald Trump com histórico de ofensas aos chineses, significa que as missivas dos presidentes das duas Casas seguirão inúteis no exterior.

Presidente não botou em prática os conselhos que recebeu de Lira