O Globo, n.32011, 29/03/2021. Economia, p.13
Orçamento em xeque
Fernanda Trisotto
Geralda Doca
Eliane Oliveira
Henrique Gomes Batista
29/03/2021
TCU deve alertar Bolsonaro de risco de crime fiscal se não houver vetos
O Tribunal de Contas da União (TCU) deve aprovar um parecer para alertar o presidente Jair Bolsonaro sobre crime de responsabilidade fiscal, caso ele sancione o projeto de Orçamento para 2021 tal como foi aprovado pelo Congresso. O ideal seria vetar trechos do texto. Segundo um integrante da Corte, os parlamentares têm inviolabilidade no discurso e no voto e, por isso, podem aprovar uma peça orçamentária irreal. Contudo, o chefe do Executivo precisa zelar pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e, sendo assim, ele terá de avaliar o texto aprovado à luz desse fato para não ser acusado de crime fiscal.
Um grupo de deputados, que já enviou uma carta alertando o presidente sobre o nó fiscal do Orçamento, prepara-se para acionar o TCU.
— Estamos estudando essa matéria para poder recorrer ao TCU e aprofundar os dados do Orçamento. Estou esperando o retorno dos técnicos para podermos fazer uma representação — explicou o deputado Vinicius Poit (SP), líder do Novo.
O recurso dos parlamentares deve ser avaliado no TCU pela Secretaria de Macroavaliação Governamental, que julga as contas do presidente da República. Foi este órgão técnico que baseou a condenação da gestão Dilma Rousseff pelas chamadas pedaladas fiscais. Esse parecer técnico deve dar sustentação à decisão a ser tomadas pelos ministros no plenário da Corte.
Diante da repercussão negativa sobre o Orçamento aprovado pelo Congresso, que cortou despesas obrigatórias deste ano para aumentaras emendas de interesse dosp ar lamentares, é provável que Bolsonaro aguarde o parecer do T CU para sancionar o projeto.
A avaliação de integrantes do governo que acompanham as negociações é que não há uma solução simples. A peça não se sustentada forma como foi aprovada, e resolver o problema demanda cooperação entre Executivo e Congresso.
O Ministério da Economia diz que ainda aguarda o Autógrafo da Lei Orçamentária, a ser encaminhado pelo Congresso, para conhecer oficialmente os valores e termos finais aprovados e, então, discutir alternativas para solucionar os problemas do Orçamento.
As possibilidades analisadas sã ove tosem trechos do Orçamento, combinados coma apresentação de projetos para remanejar dotações e a aprovação de créditos suplementares. Mas os vetos terão de ser analisados deforma cautelosa, porque, devido à redação do texto pode ser impossível barrar parcialmente adotação orçamentária para algum órgão, por exemplo. Somente com uma construção nesse formatos e poderia evita rum contingenciam entoque pode ser da casa de R$ 40 bilhões.
O remanejamento dos recursos via um relatório extemporâneo de receitas e despesas também tem entraves. Essa revisão só é possível se houver descumprimento da meta fiscal, o que ainda não ocorreu. A equipe econômica também busca opções para corte de recursos, mas estas são restritas. Obter R$ 20 bilhões nesse processo tornaria a situação menos penosa, mas ainda difícil.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEMMG), em entrevista ontem à GloboNews, mostrou disposição para negociar:
— Não há nenhuma ilegalidade, nenhuma inconstitucionalidade no parecer do relator Márcio Bittar. Eventual distorção que haja é plenamente possível de ser corrigida, e nós não mediremos esforços para poder corrigir o que precisar ser feito.
O governo tem sua parcela de responsabilidade ao ter se omitido e não enviado uma peça para atualizar os valores dos benefícios vinculados à inflação. Quando fez a proposta, considerou uma inflação de 2%, mas o INPC fechou 2020 em 5,26%. Só isso já gerou um buraco de R$ 8,5 bilhões na Previdência, agravado pelo corte de R$ 13,5 bilhões feito pelo relator, senador Márcio Bittar (MDB-AC).
‘TETO É NOSSA ÂNCORA’
Para Margarida Gutierrez, professora da UFRJ, este Orçamento pode comprometer a recuperação da economia e a geração de emprego nos próximos anos. Na prática, diz, ele significa o fim do teto de gastos, o que levaria o dólar a superar os R$ 6:
—Derrubar o teto é o pior que pode acontecer com a gente, é a nossa única âncora fiscal. A aprovação do Orçamento desta maneira é um golpe comparável às “pautas-bomba” que a Câmara fez na gestão de Eduardo Cunha no governo de Dilma Rousseff.
Ela alerta que o Orçamento, se executado, pode levar à paralisação total do governo, o shutdown, além de representar crime de responsabilidade fiscal.
—Deixar restos a pagar de um ano para outro, usar créditos extraordinários para despesas que não são extraordinárias, são subterfúgios para furar o teto, e isso reduz a credibilidade do governo —alerta o economista-sênior da Prospectiva Consultoria, Adriano Laureno.
Já o especialista em contas públicas Raul Velloso defende discutir o teto de gastos, já que os parlamentares do centrão não devem voltar atrás nas emendas:
— O governo vendeu a alma para o centrão e agora não sabe o que fazer.
O Orçamento aprovado prevê R$ 26 bilhões a mais para emendas parlamentares. Para isso, foram cortados recursos de áreas como a Previdência e gastos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) com seguro-desemprego e abono salarial.
Além disso, algumas pastas tiveram incrementos polpudos. Um dos maiores acréscimos foi do Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho: passou de R$ 2,4 bilhões para R$ 16 bilhões.