O Globo, n.32012, 30/03/2021. País, p.5

 

Insatisfação na caserna

Jussara Soares

Julia Lindner

Natália Portinari

30/03/2021

 

 

MUDANÇA DE MINISTRO DA DEFESA CRIA INCÓMODO; COMANDANTES PODEM SAIR

A sumária demissão do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, foi interpretada por integrantes das Forças Armadas como uma tentativa de Jair Bolsonaro enquadrar os militares. A pasta foi entregue ao general Walter Braga Netto, então chefe da Casa Civil e alinhado ao presidente. Surpreendidos, os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica fizeram uma reunião na tarde de ontem. Segundo interlocutores militares, os três discutiram uma inédita renúncia coletiva, mas até o fechamento desta edição isso não estava definido.

Diante da insatisfação, Braga Netto tenta contornar a situação. Uma nova rodada de conversa está marcada para hoje de manhã. O comandante do Exército, Edson Pujol, que o presidente Jair Bolsonaro disse ontem nos bastidores que demitiria, e os comandante da Marinha, Ilques Barbosa Junior, e o da Aeronáutica, Antonio Carlos Moretti Bermudez, voltam a se reunir. Braga Netto deve participar também de uma conversa com os três.

Ao anunciar que deixaria o cargo, antes que Bolsonaro fizesse o anúncio, Azevedo e Silva disse que saiu “na certeza da missão cumprida”, sem explicar o motivo da demissão, mas ressaltando que preservou “as Forças Armadas como instituições de Estado”.

O tom do texto, segundo militares, expôs a pressão que o ministro vinha sofrendo de Bolsonaro. O presidente já vinha demostrando uma insatisfação com o Ministério da Defesa, pois quer das Forças Armadas um maior alinhamento ao governo.

A maior cobrança mirava o comandante do Exército, Edson Leal Pujol, que sempre tentou se distanciar dos vínculos com o governo. Em novembro do ano passado, com aumento das críticas ao então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, Pujol disse que “militares não querem fazer parte da política”, delimitando que o Exército é uma instituição de Estado e não de governo.

ESTOPIM PARA DEMISSÃO

A tensão foi aumentando até que Bolsonaro pediu que Pujol saísse. Azevedo e Silva atuou como escudo e não quis fazer a troca. O estopim para a demissão do ministro foi uma entrevista concedida ontem pelo general Paulo Sérgio, chefe do Departamento-Geral de Pessoal do Exército, ao jornal “Correio Braziliense” na qual ele disse que o Exército já se preparava para a terceira onda da pandemia da Covid-19. Bolsonaro  pediu punição ao militar, mas Pujol resistiu e teve o aval do ministro.

A aliados, o ministro da Defesa disse que já vinha notando uma insatisfação de Bolsonaro com sua atuação há algum tempo, principalmente por ele evitar acenos políticos. Além disso, Azevedo e Silva relatou que as questões do presidente da República com Pujol “rondavam” a sua atuação e que Bolsonaro se incomodava por ele ter um perfil diferente do antecessor, Eduardo Villas Bôas.

Segundo a colunista Malu Gaspar, o candidato mais forte a substituir Pujol seria Marco Antônio Freire Gomes, de 63 anos, atual Comandante Militar do Nordeste e ex-secretário-executivo do Gabinete de Segurança Institucional no governo de Michel Temer. Seu nome foi discutido hoje numa reunião do Alto Comando do Exército em Brasília.

Considerado um general de perfil tranquilo e moderado, ele, porém, não é o mais antigo do Exército na ativa e sua escolha romperia uma tradição. O decano é o general José Luiz Freitas, que se formou na Academia Militar das Agulhas Negras em 1979. Freire Gomes é da turma de 1980.