O Globo, n.32012, 30/03/2021. Sociedade, p.12

 

Queiroga quer protocolos para economizar oxigênio

Renata Mariz

Paula Ferreira

30/03/2021

 

 

Em sessão no Senado, ministro da Saúde afirmou que a pasta irá orientar profissionais de saúde sobre O “uso racional” do insumo nos hospitais e defendeu, ainda, que planos privados 'retirem' seus pacientes do SUS

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que pretende implementar protocolos assistenciais para economizar no uso de oxigênio no país. Em sessão ontem no Senado, Queiroga afirmou que está trabalhando para que o ministério emita orientações a respeito do uso racional do insumo.

Desde a semana passada, municípios de todas as regiões do país têm relatado risco de colapso no fornecimento de oxigênio aos hospitais para tratamento dos pacientes com Covid-19. Levantamento da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) divulga dono dia 19 indicava que o oxigênio para pacientes de Covid estava prestes a acabar em pelo menos 76 municípios de 15 estados.

—Convidei o professor Carlos Carvalho da USP para trabalhar conosco em protocolos assistenciais que, entre outras coisas, racionalizem o uso de oxigênio. Todos sabemos que muitas pessoas chegam aos hospitais, e às vezes a primeira providência é colocar o oxigênio nasal até em quem não precisa. Vamos tentar economizar, fazer uma campanha entre os profissionais de saúde para o uso racional do oxigênio—disse o ministro.

Procurado pelo GLOBO para comentar o assunto, Carlos Carvalho não retornou até a conclusão desta reportagem. O médico foi anunciado na quarta-feira por Queiroga como líder do grupo técnico que tratará dos protocolos assistenciais contra a Covid-19.

Segundo a sanitarista Lígia Bahia, professora da UFRJ, a ideia de estabelecer protocolos de atendimento é perfeita. No entanto, segundo ela, eles não resolvem o problema da falta de oxigênio.

— Protocolos não são feitos para economizar. Eles garantem segurança e qualidade de atendimento ao paciente. Isso não resolve a falta de oxigênio. O paciente com Covid-19 precisa dele porque chega ao hospital sentindo falta de ar e, em geral, muito cansados. Por isso, tem que usar —diz Bahia.

Segundo a pneumologista Patricia Canto Ribeiro, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, o protocolo a ser estabelecido deve ser muito bem construído com a comunidade médica para não haver barreiras rígidas.

— Essa é a primeira providência que se toma quando o paciente chega com falta de ar. Isso porque o uso precoce do oxigênio reduz o risco de o paciente ser intubado e o tempo de internação dele. É claro que ninguém bota oxigênio em pacientes que estão bem. A ideia de racionalizar o uso do oxigênio é preocupante, porque às veze sé a única opção para o paciente, mas ela deve ser apresentada e discutida—afirma.

Segundo o Ministério da Saúde, a pasta enviou mil cilindros de oxigênio aos estados para ajudar no combate à pandemia. A expectativa é entregar mais 800 cilindros nos próximos dias. A pasta afirma que tem oferecido suporte na implementação de usinas de oxigênio. Segundo o ministério, há duas usinas em funcionamento no Amapá e uma em implementação. Rondônia também receberá uma usina.

Sobre a falta de medicamentos para intubação, o ministro disse que a pasta negocia com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), mas esbarra na escassez de produtos no mercado mundial. Segundo ele, em até 15 dias será possível resolver a situação.

PACIENTES FORA DO SUS

Durante a sessão no Senado, Queiroga disse ainda que quer que a iniciativa privada leve para sua rede hospitalar pacientes de plano de saúde que estejam sendo atendidos pelo SUS. O ministro defendeu também que as vacinas estejam no rol de cobertura obrigatória dos planos.

— Queremos que a iniciativa privada retire os pacientes deles que estão na rede SUS, para que possamos atender os beneficiários do SUS. (...) Entendemos que a vacina tem que entrar no rol de cobertura obrigatória da saúde suplementar. Claro que o ministro da Saúde não tem como intervir na saúde suplementar, porque ali há uma agência regulatória, mas já conversei com Braga Netto Paulo Guedes  que, comigo, constituem o Conselho da Saúde Suplementar, para que façamos orientações ao setor.

Segundo o advogado Paulo Almeida, do Instituto Questão de Ciência, não há embasamento legal para que usuários de planos de saúde sejam retirados do SUS:

— Isso não existe, e dificilmente ele conseguiria implementar sem alguma legislação robusta. A impressão que fica équeéa atitude afobada de um ministro que acabou de assumir e, em vez de fazer alegações dessa complexidade, deveria focar em atitudes eficazes de controle à pandemia.