O Globo, n.32012, 30/03/2021. Economia, p.17

 

Teste de articulação

Manoel Ventura

Geralda Doca

Fernanda Trisotto

30/03/2021

 

 

 Recorte capturado

Negociação de Bolsonaro com Pacheco e Lira e aposta de Guedes para resolver crise

Após identificarem que o Orçamento aprovado pelo Congresso para 2021 é “inexequível”, técnicos do governo aguardam uma solução política para reverter manobras fiscais que podem inviabilizar os gastos públicos neste ano. Auxiliares do ministro da Economia, Paulo Guedes, dizem nos bastidores que aguardam que o presidente Jair Bolsonaro converse com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PPAL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para discutir o assunto. As negociações ocorrerão em meio às turbulências que levaram Bolsonaro a trocar seis ministros ontem e devem se rum teste de articulação política coma cúpula do Congresso eleita com apoio do Palácio do Planalto.

A situação exigirá empenho na negociação, pois, para aumentar recursos destinados a obras e ações em bases eleitorais, os parlamentares aprovaram um Orçamento que tira dinheiro de despesas que o governo precisa pagar em qualquer cenário, como a Previdência. Para mudar o quadro, será preciso convencê-losa abrir mão de verbas que eles mesmos incluíram no texto.

Para assessores de Guedes, uma mudança unilateral do Executivo poderia azedar ainda mais o hum ordos parlamentares. Lira e Pacheco encabeçaram os acordos que avalizaram inflaras emendas parlamentares par amais de R $47 bilhões. Para fazer caber essas emendas no Orçamento, o relator da proposta, senador Márcio Bittar (MDB-AC), cortou R$ 26 bilhões de despesas obrigatórias, entre elas gastos coma Previdência Social.

RISCO DE PEDALADA FISCAL

Não há risco de os benefícios previdenciários não serem pagos. Mas, para pagar as aposentadorias dentro das regras fiscais, o governo precisaria contingenciar (bloquear) mais de R$ 30 bilhões, reduzindo o total disponível para gerir a máquina pública a menos de R$ 50 bilhões. O presidente poderia ser acusado de crime de responsabilidade ao não bloquear os recursos.

Emendas são indicações de obras ou serviços feitas por deputados ou senadores. As emendas são direcionadas geralmente para ministérios com muitas obras, como o Desenvolvimento Regional e da Infraestrutura. Por isso, eles acabaram ganhando mais recursos que os demais com as mudanças feitas pelo relator.

Os técnicos da equipe econômica querem que o governo envie ao Congresso um projeto de lei aumentando os gastos da Previdência e cortando as emendas parlamentares logo após a sanção do Orçamento. Isso só pode ser feito depois da sanção.

O governo precisará dizer quais despesas serão cortadas num novo projeto. Nesse cenário, alguns parlamentares sairão perdendo. Por isso, auxiliares de Guedes querem que o presidente converse com o Congresso antes de qualquer decisão. Nos bastidores, integrantes da equipe econômica dizem que havia um acordo para aumentar as emendas, mas não na dimensão colocada pelo relator. Ao mesmo tempo, deputados e senadores reclamam do que consideram pouca participação do time de Guedes nas conversas nos últimos dias.

Um grupo de 21 deputados protocolou representação junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pedindo que o órgão se manifeste sobre o texto aprovado pelo Congresso. Os parlamentares alegam que o projeto precisa ser corrigido para recompor os gastos obrigatórios e mencionam que, caso o governo não faça o bloqueio de recursos, haveria crime de responsabilidade e “pedaladas fiscais”.

Segundo o deputado Vinicius Poit (Novo-SP), a representação foi protocolada junto à Secretaria de Macroavaliação Governamental, que julga as contas do presidente da República. Foi este órgão técnico que baseou a condenação da gestão Dilma Rousseff pelas chamadas pedaladas fiscais. De acordo com Poit, o grupo espera que o TC Use manifeste ainda nesta semana.

— A ideia é que o TCU emita um parecer técnico alertando o governo sobre essa ir responsabilidade—declarou .

TÉCNICOS AMEAÇAM SAIR

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) enviou manifestação ao TCU. Em ofício ao ministro Bruno Dantas, ele questionou se o Orçamento está de acordo com “dispositivos constitucionais, legais e regimentais” do direito financeiro e pediu providências.

Segundo um técnico do órgão, a sanção do Orçamento como foi aprovado não levaria a uma rejeição das contas do governo pelo T CU, queé ba um conjunto de irregularidades, mas poderia dificultar o processo. A expectativa é que o tribunal recomende medidas para ajustar o orçamento, por meio de um projeto de lei ao Congresso, como defende a equipe econômica.

De acordo com esse interlocutor, o clima entre técnicos da equipe econômica é de apreensão e te morde responsabilização penal. Chegou ao T CU a informação de que alguns técnicos ameaçam entregar cargos. O pare cerda Corte sobre o pedido de representação dos deputados deverá ficar pronto na próxima semana.

O caminho até à votação que resultou no Orçamento inflado é mais um capítulo de uma série de desencontros entre Guedes e a área de articulação política do governo. Até ontem, a área era comandada pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que foi realocado como chefe da Casa Civil. A deputada Flávia Arruda (PL-DF) assumirá a pasta de Ramos.

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Bloqueio de recursos pode paralisar máquina pública

Fernanda Trisotto

Manoel Ventura

Geralda Doca

30/03/2021

 

 

Técnicos do governo veem risco de que despesas de custeio fiquem em R$ 49 bi, abaixo do necessário. lFl vê corte de R$ 31,9 bi

Caso não consiga fechar um acordo para reverter as manobras que inflaram o Orçamento, o governo pode ter que fazer um bloqueio de recursos que, na prática, inviabilizaria a prestação de serviços públicos à população. Segundo estimativas do governo, os cortes poderiam fazer com que o valor disponível para pagar despesas do dia adia, como compras de materiais nos ministérios, ficasse em R$ 49 bilhões —bem abaixo do necessário para o custeio da máquina pública.

É comum que o governo tenha que recorrer ao chamado contingenciamento para adequara previsão orçamentária às regras fiscais, de acordo com mudança nos parâmetros econômicos. Se a expectativa de arrecadação de impostos cai por causa de uma recessão, por exemplo, é necessário suspender o pagamento de parte das despesas para garantir o cumprimento dos limites.

Da forma como foi aprovada, no entanto, a medida faria com que esse bloqueio fosse muito maior do que o normal. Isso ocorreria porque o Congresso aumentou para R$ 26,2 bilhões o valor destinado a emendas parlamentares e, para isso, cortou a estimativa de gastos como a Previdência, que são obrigatórios. O problema é que não há evidências de que essa projeção se confirme. Por isso, o governo teria que cortar em outras áreas, como custeio para garantir o pagamento de aposentadorias e pensões sem descumprir as regras das contas públicas.

Para se ter uma ideia, a estimativa de gastos com benefícios previdenciários aprovada no Congresso foi de R$ 690,6 bilhões. Já o governo espera que a despesa alcance R$ 712,9 bilhões.

Nas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, o bloqueio a ser feito pelo Executivo precisaria ser de R$ 31,9 bilhões, caso essas estimativas não sejam corrigidas.

“Ao longo do ano, os relatórios bimestrais, como já aconteceu com o de março, indicarão um cenário provavelmente distinto do previsto na LOA. Neste caso, as despesas discricionárias terão de ser contingenciadas a fim de se observar as metas fiscais”, diz a nota.

A demora para resolver o impasse do Orçamento também ameaça o avanço de medidas de combate à pandemia. Uma delas é a renovação do programa que permite acordos de redução salarial para manutenção de emprego. Sem a previsão de uma solução na proposta aprovada, fontes ligadas às negociações já falam na possibilidade de reeditar o decreto de calamidade pública, que suspende regras fiscais, para reeditar o programa.

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Orçamento aprovado pode reduzir teto de gastos

Manoel Ventura

30/03/2021

 

 

Relator fez mudança que, na prática, exclui o auxílio-doença das despesas previstas na regra fiscal. Para parte dos técnicos da equipe econômica, se não houver diminuição equivalente no total de gastos da União, medida caraterizaria manobra irregular

Além de maquiar o total das despesas obrigatórias para inflar emendas parlamentares, o Orçamento de 2021 aprovado pelo Congresso na semana passada pode reduzir o tamanho do teto de gastos — regra que impede o crescimento das despesas da União acima da inflação do ano anterior e que fixa um limite para os gastos.

O relator da proposta orçamentária, senador Márcio Bittar (MDB-AC), fez uma mudança, que, na prática, exclui o auxílio-doença das despesas que compõem oteto de gastos, sem alterar o limite total de gastos considerados na regra fiscal. Parte dos técnicos da equipe econômica considera que isso pode ser classificado como “contabilidade criativa”.

Isso acontece porque o relatório de Bittar condicionou R$ 4 bilhões de despesas a mudanças no pagamento do auxílio-doença. A ideia é transferir o pagamento do benefício para as empresas, em troca de redução da contribuição previdenciária patronal.

Para isso, será preciso aprovar um projeto pela Câmara e pelo Senado em um mês, caso o presidente Jair Bolsonaro sancione esse artigo do Orçamento. Caso o projeto não seja aprovado, esses R$ 4 bilhões serão cortados do Orçamento e o recurso voltará ao auxílio-doença.

O problema é que uma ala de técnicos do Ministério da Economia considera tirar o auxílio-doença das despesas uma manobra fiscal irregular. A avaliação majoritária de técnicos é que o teto foi calculado usando a despesa do auxílio-doença na sua base e tirar o gasto do teto por meio de isenção fiscal não é possível. Na prática, o governo não economizaria com a mudança. Deixaria de pagar o benefício, mas deixaria de receber recursos para a Previdência.

Esses técnicos avaliam que qualquer despesa que deixe de constar da base de cálculo do teto de gastos (a conta foi feita em 2016 e vem sendo atualizada pela inflação desde então) deve gerar o recálculo do teto. Ou seja, seria necessário recalcular e reduzir o limite de gastos da União, apertando mais as contas.

Em 2021, o teto foi calculado em R$ 1,485 trilhão. Uma eventual redução nesse valor iria dificultar a gestão do Orçamento deste ano, já bastante pressionado pelo crescimento dos gastos obrigatórios e das emendas parlamentares.

Não  seria a primeira vez que o governo muda a conta do teto. Em 2017, a equipe econômica passou a computar o Fies como despesa primária e subiu o teto por causa disso.