O Globo, n.32013 , 31/03/2021. País, p.4

 

Mudança forçada

31/03/2021

 

 

 Recorte capturado

CRISE LEVA A SAÍDA DE COMANDANTES DAS TRES FORÇAS

A crise entre o presidente Jair Bolsonaro e os militares culminou ontem coma demissão dos chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em um movimento inédito na história das Forças Armadas.

Eles foram dispensados de suas funções pelo novo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, que assumiu o cargo após a saída do general Fernando de Azevedo e Silva na reforma ministerial anunciada anteontem.

Ontem, Bolsonaro disse que atua “dentro da Constituição”, mas que há autoridades que “não estão jogando nos limites da Constituição”.

Desde o momento em que a substituição foi anunciada, os três comandantes vinham discutindo uma renúncia conjunta. N anoite da segunda-feira, eles deixaram o comando da Marinha, depois de mais de duas horas de reunião, decididos a entregar os cargos. A iniciativa seria um gesto de solidariedade ao ministro demissionário e ao general Edson Leal Pujol, comandante do Exército que Azevedo e Silva se recusou a demitir apedido de Bolsonaro. Mas ontem, ao se reunirem com Braga Netto, os três foram informados de que estavam sendo exonerados por ordem do presidente da República, que preferiu se antecipar ao movimento.

Na nota em que se despediu do cargo, o comandante da Aeronáutica, Antonio Carlos Bermudez, afirmou que a Força Aérea é uma “instituição de Estado” eque seus integrantes atuam dentro dos “preceitos constitucionais”. Na Marinha, quem deixou o comando foi o almirante de esquadra Ilques Barbosa Junior.

A atitude dos comandos das Forças Armadas condiz com uma diretriz acordada nos últimos dias em reuniões da instância máxima do Exército: ad eque a instituição não se prestará auso político ou eventuais impulsos golpistas do presidente. Os 16 generais de quatro estrelas que compõem o colegiado ficaram contrariados coma demissão do ministro da Defesa, por avaliarem que o presidente quer usar aforça militar para“uma aventura ”.

Nos bastidores, militares próximos a Azevedo e Silva relatam que o presidente enviou recados a Pujol, de quem esperava manifestações públicas contra as medidas de isolamento social decretadas pelos governadores — para Bolsonaro, as restrições equivalem a “estado de sítio”.

Na semana passada, Bolsonaro afirmou a apoiadores que o “meu Exército” não apoiaria lockdown.C omo Pujol ignorou os recados de Bolsonaro, o presidente pediu sua cabeça a Azevedo e Silva. Acabaram caindo o ministro e o comandante do Exército.

A aliados, Azevedo disse também que saiu porque não queria repetir o que viveu em maio passado, quando bolsonaristas realizaram diversas manifestações pedindo intervenção militar e atacando o Supremo Tribunal Federal.

Maio de 2020 começou com Bolsonaro cumprimentando manifestantes na rampa do Palácio do Planalto e afirmando que não iria “admitir mais interferência”. O presidente vivia uma crise coma Corte, porque o ministro Alexandre de Morais havia anulado a nomeação de Alexandre Ramagem para dirigira Polícia Federal.

IMPASSE NO EXÉRCITO

Até ontem, a escolha dos três novos chefes das Forças ainda dependia da solução de um impasse na nomeação para o Exército. Por tradição, cada Alto Comando envia ao presidente uma lista com possíveis candidatos, em geral os mais antigos da carreira militar.

As listas enviadas pelos comandos da Marinha e da Aeronáutica traziam os nomes dos preferidos de Bolsonaro: o almirante Almir Garnier e o brigadeiro Batista Júnior. Mas alistado Exército não trazia o candidato predileto do presidente, Marco Antônio Freire Gomes, de 63 anos, atual Comandante Militar do Nordeste e ex-secretário-executivo do Gabinete de Segurança Institucional no governo de Michel Temer. Não é vedado a Bolsonaro nomear alguém que não está na lista, mas poderia ser mais um fator de estresse entre o Alto Comando do Exército e o presidente.

Alistado Alto Comando contém os nomes de cinco generais, por ordem de antiguidade no Exército: Décio Luís Schons (chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército), general José Carlos de Nardi (General de Exército), José Luiz Freitas (Comandante de Operações Terrestres), Marcos Antônio Amaro (chefe do Estado-Maior do Exército), general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Departamento-Geral de Pessoal), Laerte de Souza Santos (Comandante Logístico do Exército). Freire Gomes éo sétimo mais antigo, mas os dois primeiros da lista se aposentam nesta semana. Nesse caso, Freire Gomes passará a ser o quinto. Entre os generais, o que se diz é que o Alto Comando optou por ser “estritamente institucional” no envio dos nomes.

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Mourão descarta chance de "ruptura institucional"

31/03/2021

 

 

Questionado sobre as trocas, vice-presidente afirma que Exército, Marinha e Aeronáutica “sempre vão se pautar pela legalidade'

Em seguida ao anúncio da saída dos comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica, o vice-presidente Hamilton Mourão descartou qualquer risco de ruptura institucional com as mudanças em curso nas Forças Armadas.

Ao blog da jornalista Andréia Sadi, no portal G1, Mourão buscou tratar com naturalidade as modificações conduzidas pelo presidente Jair Bolsonaro — o anúncio ocorreu ontem, na esteira da reforma ministerial do dia anterior, quando o então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, foi demitido por Bolsonaro.

— Zero. Pode botar quem quiser (nos postos de comandos das Forças), não tem ruptura institucional. As Forças Armadas vão se pautar pela legalidade, sempre.

Mourão é general da reserva. Até ontem, o Exército era comandado por Edson Pujol, que entrou em rota de colisão com Bolsonaro e foi um dos pivôs da crise que levou à troca de gestão da Defesa.

Militares da reserva ouvidos pelo GLOBO afirmaram que a crise levará ao isolamento de Bolsonaro diante do comando das Forças Armadas e fará com que o Exército, cuja presença em postos do governo é maior em relação à Marinha e à Aeronáutica, se distancie da gestão.

Um general que já trabalhou no governo aval iaque a instituiçãodeixou de lado apostura passiva, que permitia ao presidente passara impressão de que tinha o aval da tropa para assuas falas. Agora, coma decisão de Pujoldenã oc eder ao alinhamento que Bolsonaro pretendia impor, ficou clara a separação, na sua visão.

Oficiais acreditam que dificilmente um militar da ativa aceitaria neste momento cargo no primeiro escalão do governo, como aconteceu com o general Eduardo Pazzuello, nomeado ministro da Saúde no ano passado.

Para um general da reserva, o presidente pode ter problemas até para colocar em prática eventuais operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), como a que foi implantada na Amazônia no ano passado para combater o desmatamento ilegal. Quando requisitados, os comandantes poderiam impor empecilhos para colocarem suas tropas em ação, como a exigência de recursos, o que na prática impediria a operação.