O Globo, n.32013 , 31/03/2021. Economia, p.19

 

Congresso está aberto a negociar, diz Pacheco 

Manoel Ventura

Geralda Doca

31/03/2021

 

 

Senador Márcio Bittar, relator da proposta orçamentária, afirma que, se puder ajudar, não vai criar 'problemas' para o governo

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse ontem que está “absolutamente aberto” a discutir uma solução para o impasse gerado pelo Orçamento aprovado pelo Congresso. Ele afirmou ainda que será preciso sentar com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), e ministros do governo para discutir o assunto.

— Nós estamos absolutamente abertos a essa discussão e todo e qualquer PLN (projeto para modificar o Orçamento) que venha, nós vamos pautar e decidir pela maioria. Não há nenhum tipo de intransigência da nossa parte. Mas eu destaco que esse parecer (do senador Márcio Bittar) foi discutido e aprovado na comissão de orçamento e no plenário com a participação do governo —disse Pacheco.

Já o senador Márcio Bittar (MDB-AC), admitiu ao GLOBO que poderá rever as emendas extras incluídas no seu parecer para ajudar a solucionar as dificuldades apontadas pela equipe econômica em executar o orçamento deste ano:

—Sempre fui um aliado do governo. Se eu puder ajudar, não vou criar problemas.

Bittar disse também que todas as alterações feitas por ele na proposta tiveram conhecimento da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, e que nenhuma das mudanças foi “invenção” dele.

—Por enquanto o que posso dizer é que não fiz nada sem o conhecimento da Economia. Corte na Previdência, mudança no auxílio-doença, que depende de uma MP (medida provisória), abono salarial, seguro desemprego. Nada disso foi invenção minha —disse.

Perguntado, então, por que o Ministério da Economia tem criticado tanto a proposta, Bittar respondeu:

— Não sei e prefiro não fazer elucubrações.

O senador também foi relator da proposta de Emenda à Constituição chamada de PEC Emergencial, com um conjunto de medidas para garantir o controle de gastos. A proposta também permitiu a volta do auxílio emergencial em 2021, limitado a R$ 44 bilhões.

— Como relator do pior Orçamento das últimas décadas, procurei conciliar o melhor possível as demandas dentro de uma coberta curta. Sou aliado do governo, o que precisar fazer para melhorar farei —afirmou.

Bittar tem se queixado a pessoas próximas do tratamento recebido por Guedes. Ele disse a interlocutores que o ministro deu o aval a um acordo para incorporar na proposta orçamentária um volume extra de R$ 16,5 bilhões em emendas parlamentares, inclusive a partir do corte de despesas com a Previdência.

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Apelo por responsabilidade

Manoel Ventura

Fernanda Trisotto

Geralda Doca

Natália Portinari

31/03/2021

 

 

Guedes pede compromisso com saúde e fiscal. Tesouro Vê risco de retrocesso nas contas públicas

Enquanto governo e Congresso tentam avançar em uma solução política para destravar o impasse do Orçamento, integrantes do alto escalão da equipe econômica vieram a público pela primeira vez para apelar aos parlamentares que revejam manobras fiscais que podem inviabilizar a gestão dos gastos públicos neste ano. O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que os entendimentos políticos devem caber nas contas do governo e pregou responsabilidade orçamentária. O secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, afirmou que o texto pode caracterizar um retrocesso no controle das contas públicas.

Pela manhã, Guedes fez um alerta que chamou de “pedido de entendimento”:

— Esse é o meu pedido de entendimento a todos nós: para que os entendimentos políticos caibam nos orçamentos públicos, para que a gente cumpra o duplo compromisso, com a saúde dos brasileiros e responsabilidade orçamentária —disse, durante divulgação dos dados de emprego.

Segundo o ministro, o apelo da equipe econômica leva em consideração a necessidade de mais gastos para combater a pandemia.

— Não quer dizer que tem que ficar estritamente dentro do teto o que for relacionado a Covid, mas que tem que ser com valor definido, propósito específico e extraordinariamente, não são gastos recorrentes —disse o ministro.

EMENDAS EM VALOR RECORDE

À tarde, foi a vez de Funchal se manifestar. Em nota, o Tesouro afirmou que o corte de despesas obrigatórias para elevar emendas parlamentares “deteriora a transparência da utilização dos recursos públicos” e representa “retrocesso” no controle de gastos públicos.

“Esse recurso pode ser visto como um retrocesso para o controle das contas públicas, justamente no momento em que o país precisa fortalecer as regras existentes”, diz o texto, divulgado junto com o resultado das contas públicas de fevereiro, que apontou déficit de R$ 21,2 bilhões.

Em entrevista coletiva, o secretário reforçou o alerta que vinha sendo dado nos bastidores por integrantes da equipe econômica: se o Orçamento não for corrigido, o governo pode ter que fazer um bloqueio de recursos que inviabilizaria a prestação de serviços à população.

—Se for resolver (o excesso de gastos) tudo nas discricionárias (gastos livres, como custeio e investimentos), vai ficar muito abaixo do funcionamento da máquina. A gente vai ter problema para gerir a máquina, que é de R$ 70 bilhões —disse Funchal.

Sem citar o impasse no Orçamento, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, falou sobre acrise nas contas públicas ontem. Segundo ele, um dos assuntos que lhe “tiram o sono”.

Sem citar o impasse no Orçamento, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, falou sobre acrise nas contas públicas ontem. Segundo ele, um dos assuntos que lhe “tiram o sono”.

— Eu diria que o que tira meus ono hojeé(aneces sida dede) ter certeza que agente vai parau mesquem ade vacinação eficiente e ter certeza que agente vai conseguir atingir um equilíbrio fiscal—disse em evento com investidores.

As manifestações são amais recente ofensiva de uma crise que estourou semana passada, quando parlamentares subestimaram a previsão de gastos obrigatórios, como a Previdência, para abrir artificialmente espaço para ampliar o valor de emendas destinadas a obras. Segundo estimativa que deve ser divulgada hoje pela Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, só as despesas com aposentadorias e pensões, por exemplo, deveriam estar previstas em R$ 720,3 bilhões, masa proposta que foi para sanção presidencial projeta que o gasto será de R$ 698,5 bilhões —diferença de mais de R$ 20 bilhões.

A negociação resultou em um valor recorde para emendas parlamentares, incluindo as destinadas pelo relator, bancadas e individualmente por deputados e senadores: R$ 47,4 bilhões. Com o remanejamento que aumentou as emendas, o Ministério do Desenvolvimento Regional ganhou R$ 8,6 bilhões em emendas. O órgão destina esses valores para obras contra a seca, recapeamento de estradas, construção de adutoras, entre outros investimentos que trazem visibilidade para parlamentares. O investimento individual mais volumoso no Ministério do Desenvolvimento Regional nos acréscimos do Orçamento envolve R $155 milhões para a integração do Rio São Francisco às baciasdo Jaguaribe( CE ), Apodi e Piranhas-Açu (RN).

Presidente da Comissão Mista do Orçamento (CMO), a deputada Flávia Arruda (PLDF) foi indicada na segunda feira para a Secretaria de Governo, ministério que funciona no Palácio do Planalto e responsável pela articulação política com o Congresso. Ela assume no lugar de Luiz Eduardo Ramos, transferido para a Casa Civil. Flávia terá de lidar com o Orçamento “inexequível” que ajudou a construir, mas do outro lado do balcão.

A solução para o entrave está sendo avaliada entre técnicos do governo e do Congresso. Eles afirmam que será preciso uma negociação política com a cúpula da Câmara e do Senado para aparar as arestas e encontrar um meio termo entre o que querem os parlamentares e o que deseja o governo.

CORTE DO PRÓPRIO RELATOR

Uma possibilidade que ganhou força ontem foi o relator, senador Márcio Bittar (MDBAC), cancelar parte das despesas que criou (que somam R$ 26 bilhões) depois da sanção do Orçamento. O dinheiro seria usado para recompor, por decreto, a dotação das despesas obrigatórias, especialmente a Previdência. Isso seria possível após a sanção presidencial e apenas o relator poderia cancelar suas despesas por ofício, ou seja, por conta própria.

Nesse caso, a discussão seria quais obras seriam cortadas para acomodar as despesas com a Previdência. O governo pode vetar parte das emendas do relator ou outros gastos e enviar um projeto para ajustar o Orçamento depois da sanção. O veto integral ao Orçamento está praticamente descartado, pois exigiria que o processo começasse do zero.

Sobre o risco de o presidente Jair Bolsonaro ser responsabilizado pelo Orçamento “maquiado”, o entendimento dos técnicos é que a sanção não implica necessariamente irregularidade por parte do governo. Nesse sentido, só ocorreria crime se o governo não contingenciar (bloquear despesas) ao longo da execução orçamentária, caso não haja correção no Orçamento; ou se as despesas obrigatórias não forem pagas.

“Esse é o meu pedido de entendimento a todos nós: para que os entendimentos políticos caibam nos orçamentos públicos” 

Paulo Guedes, ministro da Economia