O Globo, n.32013 , 31/03/2021. Mundo, p.23

 

Missão urgente

Eliane Oliveira

31/03/2021

 

 

Novo chanceler terá de mostrar ação diferente em meio ambiente e pandemia

O substituto de Ernesto Araújo na chefia do Itamaraty, Carlos Alberto França, terá como desafio marcar alguma diferença entre ele e o antecessor, para convencer o Congresso e a comunidade internacional de que a troca foi boa. Os campos para isso já estão definidos pela urgência dos temas: no campo doméstico, a expectativa é por mudanças na atuação do Itamaraty no enfrentamento da pandemia de Covid-19; fora do país, lideranças estarão de olho na resposta do novo chanceler para problemas relacionados ao meio ambiente, com destaque para as mudanças climáticas.

Pessoas próximas do novo chanceler, que desde outubro era assessor do presidente Jair Bolsonaro no Planalto, apontam essas como prioridades de curtíssimo prazo, mas também citam a recomposição das relações políticas coma China, os Estados Unidos, a Europa e os vizinhos da América do Sul.

AGENDA AMBIENTAL CHEIA

A pauta ambiental está movimentada neste ano. Estão previstas três grandes reuniões de chefes de Estado e governo: uma, convocada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, em abril; outra em maio, a 15ª Conferência das Partes (COP 15) da Convenção da Diversidade Biológica, na China; e em novembro, no Reino Unido, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26).

Biden, em carta ao presidente Jair Bolsonaro, em 26 de fevereiro, cobrou um compromisso maior do governo brasileiro com a proteção do meio ambiente. O aquecimento global foi também foi discutido, há algumas semanas, em reunião entre Ernesto Araújo e o enviado especial para o clima dos EUA, John Kerry.

Apesar das demonstrações recentes de preocupação com o meio ambiente, ainda há desconfiança de parte da comunidade internacional em relação ao que pensa o Brasil. Em 2019, em meio à crise causada pelo desmatamento e as queimadas na Amazônia, o então chanceler Ernesto Araújo questionou o conceito de aquecimento global e afirmou que foi criada uma “ditadura climática” no mundo.

Por sua vez, as dificuldades na obtenção de vacinas e insumos para a fabricação dos imunizantes ajudaram a derrubar Ernesto. Sua cabeça foi pedida pela maioria dos senadores que assistiam a uma exposição do chanceler sobre a pandemia, na semana passada. Descontentes, os parlamentares se mostraram dispostos a travara pauta encaminhada à Casa pelo Itamaraty, como a indicação de embaixadores e acordos internacionais, se Ernesto não fosse substituído.

DECISÃO SOBRE PATENTES

Mas França também terá de dar respostas ao público interno. Quando o Brasil poderá receber parte das vacinas solicitadas ao governo dos EUA? Apesar dos apelos do governo brasileiro e do próprio Congresso, não há respostas definitivas. O novo chanceler também terá de trabalhar para evitar novos atrasos no envio de doses fabricadas na Índia e conseguir flexibilizara burocracia chine sapara a liberação de insumo sutilizados na fabricação dos imunizantes.

Ainda sobre a pandemia, França decidirá se o Brasil manterá ou não sua posição contrária à proposta da Índia e da África do Sul, em discussão na Organização Mundial do

Comércio (OMC), para a quebra temporária de patentes de produtos usados no combate à Cov id -19. O governo brasileiro defende uma terceira via, por considerar que as normas em vigor já permitem que a quebra seja possível.

Quem conhece bem o futuro chanceler afirma que apolítica externa brasileira não vai mu darcom atro cade ministro, mas o estilo será diferente. Segundo um experiente embaixador, França é homem do governo Bolsonaro e, portanto, é preciso ver se ele vai superar os erros de seu antecessor e em que pode avançar.

França não é ideólogo, ou olavista — definição para quem é adepto do escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo. Amigos e colegas ouvidos pelo GLOBO o consideram muito habilidoso e isso contará aseu favor nas relações com o Congresso e parceiros internacionais, como a China —cujo embaixador, Yang Wanming, desentendeu-se publicamente com Ernesto por causa de declarações críticas a Pequim do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República.

A expectativa é de que França faça poucas mudanças na equipe. Deve manter boa parte dos secretários, como Pedro Miguel da Costa e Silva( Negociações Bilaterais e Regionais nas Américas), Kenneth da Nóbrega (Negociações Bilaterais no Oriente Médio, Europa e África) e Sarquis Buainain Sarquis (Comércio Exterior e Assuntos Econômicos). Há quem aposte que o novo chanceler continue com o secretário-geral, Otávio Brandelli.

Para agrande maioria dos congressistas, França é um desconhecido. Mas não enfrenta resistência.

—Tenho uma ótima impressão do embaixador! Muito educado, atencioso e muito organizado! Deverá surpreender positivamente—disse o líder do governo na Casa, Fernando Bezerra( MDB-PE ).

SABATINA NO CONGRESSO

Na Câmara, a Comissão de Relações Exteriores votará amanhã um requerimento para que França explique o que pretende fazer no Itamaraty.

—Depois de um período de grandes turbulências em nossa política externa, espero que possamos restabelecer os preceitos que marcaram por décadas a nossa política externa: respeito, tolerância e equilíbrio, sem qualquer alinhamento automático ou preconceitos de ordem ideológica —disse o presidente da comissão, deputado Aécio Neves (PSDB-MG).

Indagada sobre a escolha do novo ministro, a presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Katia Abreu (Progressistas-TO) afirmou que não o conhece. Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) quer resultados.

— Espero que ele mude o rumo da política externa. De nada adianta a mudança de um Ernesto por outro.