Valor Econômico, n. 5199, v.21, 03/03/2021. Brasil, p.A6

 

 

Dólar alto amplia custo de empresas, e inflação maior já é esperada

 

 

Projeções de IPCA acima de 4% ganham força, com repasse cambial e reajuste de combustíveis

Por Arícia Martins e Marta Watanabe — De São Paulo

 

 

A contínua alta do dólar, que potencializa a valorização de commodities no mercado externo, originou uma “segunda onda” de aumentos de custos nas empresas que, para economistas, ainda vai chegar ao consumidor. Além do repasse cambial sobre preços livres, outra importante fonte de pressão inflacionária são os combustíveis, diretamente afetados pela moeda americana. Neste quadro, projeções acima de 4% para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2021 estão ganhando espaço, e a percepção é que a inflação pode ser ainda maior se não houver alívio do câmbio. A meta para o ano é 3,75%.

 

O dólar comercial terminou o pregão de ontem cotado a R$ 5,66, mas chegou a bater R$ 5,72 ao longo do dia. No ano, a divisa americana acumula alta de 9,2% ante o real. A nova rodada de desvalorização cambial, em conjunto com o aumento de matérias-primas, colocou em xeque a perspectiva que muitos economistas tinham até o fim de 2020, de que aumentos de custos no atacado perderiam fôlego neste início de ano.

 

Não foi este o cenário mostrado pelo Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) de fevereiro. Os preços ao produtor de bens intermediários avançaram 4,67% no mês, acima dos 2,54% de janeiro, com aceleração de 1,98% para 4,16% na parte de material e componentes para manufatura. Neste subgrupo, estão boa parte dos insumos industriais sensíveis ao câmbio, como celulose, químicos, petroquímicos, siderurgia, borracha, plásticos e resinas.

 

“Todas as matérias-primas básicas do setor industrial tiveram forte elevação, e nós nunca achamos que fosse algo provisório”, diz Joseph Couri, presidente do Sindicato das Micro e Pequenas Indústrias do Estado de São Paulo (Simpi-SP). No indicador de atividade do setor do mês passado, 72% dos empresários consultados relataram aumento significativo nos custos de produção - maior resultado da série histórica do levantamento, que começou em março de 2013.

 

Segundo a pesquisa, encomendada pelo Simpi-SP ao Datafolha, a principal causa para a elevação nos custos, apontada por 66% dos industriais, é o encarecimento de matérias-primas e insumos. “E não vislumbramos mudança deste quadro no curto prazo. Pelo contrário”, afirma Couri, destacando a variação cambial ocorrida neste ano como fator que agravou a situação.

 

Para 91% dos industriais ouvidos, a alta destes preços é o maior entrave à produção enfrentado nos últimos 15 dias. A falta de insumos e matérias-primas nos fornecedores e atraso nas entregas desses bens também são problemas graves, mencionados por 65% e 58% dos entrevistados, respectivamente. “Isso será repassado para os preços em algum momento por aqueles que conseguirem. Quem não conseguir vai quebrar”, alerta o presidente do Simpi-SP.

 

O aumento de preços dos insumos provocou alta de 8% a 10%, em média, no produto final dos calçadistas, estima Mafaldo Gois Junior, diretor financeiro da Usaflex, fabricante de calçados femininos com 2,5 mil empregados. Por enquanto, diz ele, a empresa trabalha com estoques reguladores para as vendas atuais, que ainda fecham contratos para o Dia das Mães. As vendas estão abaixo do esperado e não há margem para repasse total de custo aos varejistas. Por isso, a calçadista vem absorvendo uma parte do impacto de preços.

 

O diretor avalia que o custo será repassado de forma mais intensa no decorrer do segundo semestre. A elevação de matérias-primas intensificou-se, lembra Gois Junior, desde o fim do ano passado, quando começou o desabastecimento de alguns insumos, como resultado de uma demanda maior que a esperada pela indústria local e também por dificuldades logísticas de fornecedores externos, como os chineses, com a expectativa de retomada da economia mundial. A essa pressão, junta-se o câmbio, explica o diretor, que tem efeito no preço do insumo e também na dinâmica de mercado.

 

Em tese, o elevado nível de capacidade ociosa na economia enfraqueceria o repasse cambial para a inflação no varejo, aponta Tomás Goulart, economista-chefe da Novus Capital. “Mas quando há uma desconfiança em relação à política econômica como um todo, o repasse cambial aumenta e faz com que o hiato do produto perca importância para explicar a inflação”, diz Goulart.

 

Devido principalmente ao impacto da depreciação cambial sobre os preços de bens comercializáveis e combustíveis, a Novus estima alta de 4,6% para o IPCA em 2021, mas Goulart destaca que o índice pode acelerar mais a depender do dólar. “Se colocarmos o câmbio atual de R$ 5,70 nessa projeção, a inflação ficaria próxima de 5%”, calcula o economista, que trabalha com câmbio médio de R$ 5,40 para o ano.

 

“O câmbio é o que vai explicar a variação da inflação deste ano, ao lado da pressão de commodities, que segue intensa”, aponta o economista-chefe da gestora. Segundo ele, os bens industriais e alimentos comercializáveis (que podem ser importados ou exportados) serão os preços mais impactados pelo repasse cambial, com alta de 4,5% e 7,3% no acumulado do ano, pela ordem.

 

O banco Fibra revisou a projeção para a taxa de câmbio média anual de R$ 5,02 para R$ 5,40 e a previsão para o fim do ano de R$ 4,80 para R$ 5,20. Com a mudança, a estimativa para a alta do IPCA em 2021 passou de 4% para 4,2%. Cristiano Oliveira, economista-chefe da instituição, pondera que, por ora, não há sensação de descontrole inflacionário e que o novo número incluiu também revisões para baixo em alguns setores, como o de serviços.

 

O balanço de riscos para os preços, no entanto, continua pendendo para cima, principalmente no curto prazo, diz Oliveira. “É um cenário preocupante e, se houver algum alívio, será mais para o segundo semestre”, apontou. Além do câmbio e da nova fonte de pressão no atacado mostrada pelos IGPs, o economista cita a dinâmica das tarifas administradas como outra fonte de preocupação inflacionária.

 

Em seus cálculos, os preços administrados vão subir 5,4% neste ano, com aumento de 14% da gasolina. Neste caso, não só o dólar afeta os preços domésticos, mas também a cotação do barril de petróleo, acrescenta Oliveira.

 

“No meu cenário, temos a curva do petróleo se estabilizando em US$ 65 o barril, mas já há bancos internacionais esperando US$ 75. Se esse quadro se confirmar, as nossas projeções para o preço da gasolina teriam que aumentar, e bastante.”