Valor Econômico, n. 5199, v.21, 03/03/2021. Política, p.A8
Senado articula exclusão do Bolsa Família de gatilhos
Gatilhos da proposta não atingirão programas de renda
Por Vandson Lima, Renan Truffi e Ribamar Oliveira — De Brasília
O Senado vai incluir na PEC Emergencial um dispositivo que deixa de fora da contenção de gastos imposta pelos gatilhos os benefícios utilizados no combate à pobreza. Na prática, a medida permitirá um aumento do Bolsa Família ou a criação de um novo mecanismo de distribuição de renda, mesmo diante de um cenário de emergência fiscal.
A decisão foi tomada na reunião de líderes realizada na tarde de ontem. A emenda será apresentada em plenário e aprovada por unanimidade. A princípio, houve uma confusão conceitual, propagada pelos próprios senadores, de que se estaria deixando o Bolsa Família de fora da regra que limita o crescimento de despesas à inflação do ano anterior - a lei do teto de gastos.
Segundo técnicos ligados ao senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que foi o autor da proposta e está com covid-19, isso não procede. A ideia é que os gatilhos não afetem o Bolsa Família e programas de atendimento à população mais vulnerável. A confusão chegou a colocar em alerta a equipe econômica do governo.
O secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, disse ao Valor que o Ministério da Economia é contra flexibilizar o teto de gastos, “pois isso vai na contramão de tudo o que o governo vem defendendo”. Funchal recebeu um telefonema de Vieira, explicando que sua proposta não é retirar a despesa com o Bolsa Família do teto de gastos, mas excluir o programa da relação das despesas que não poderão aumentar acima da inflação quando os gatilhos com as medidas de ajuste fiscal forem acionados.
“Essa proposta do senador precisa ser discutida”, disse Funchal, ressaltando que ainda não há uma opinião fechada sobre ela no Ministério da Economia. “O senador Vieira deixou claro que a despesa com o Bolsa Família será mantida no teto”, observou o secretário. Assim, se a despesa com o Bolsa Família subir acima da inflação, o aumento adicional terá que ser compensado com o corte de outra despesa para que o teto seja respeitado.
Segundo Vieira, há uma controvérsia em relação à despesa do Bolsa Família ser ou não despesa obrigatória. Se ela não for considerada obrigatória, estaria livre das vedações. “Mas se for considerada obrigatória, seria afetada pela PEC emergencial, prejudicando o combate à miséria de forma decisiva em nosso país”, explicou em mensagem ao relator, Márcio Bittar (MDB-AC) e ao líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
O Bolsa Família difere dos benefícios da Previdência, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e até do Benefício de Prestação Continuada (BPC) porque o governo não é obrigado a pagar os benefícios a todos que têm direito. Neste sentido, o programa não seria obrigatório, já que sua própria Lei prevê que o Poder Executivo deverá compatibilizar a quantidade de beneficiários e de benefícios financeiros específicos do Programa Bolsa Família com as dotações orçamentárias existentes.
A sugestão recebeu boa acolhida, inclusive da representação do governo no Senado. “A emenda é extremamente importante para milhões da famílias mais pobres do país, uma vez que durante e após a crise aumentará a quantidade de pessoas que necessitarão da proteção social proporcionada por um programa de transferência de renda”. O Orçamento para este ano ainda não foi votado e prevê R$ 34,9 bilhões para o programa Bolsa Família. O relator tanto da PEC emergencial quanto do Orçamento é o mesmo, o senador Márcio Bittar.
Pelo acordo entre Senado e o governo, após a aprovação da PEC emergencial, o governo encaminhará uma medida provisória (MP) prevendo a retomada do pagamento do auxílio emergencial. Funchal afirmou que, na situação atual da pandemia, há necessidade do auxílio emergencial, mas disse que ele precisa ser concedido de forma sustentável. “Conceder o auxílio sem as medidas compensatórias vai gerar incerteza e não dará previsibilidade para as trajetórias da dívida pública e da despesa”, ponderou.