Título: Concessão de refúgio político gera incidente diplomático
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Fonte: Jornal do Brasil, 15/01/2009, País, p. A6

Senado e OAB também criticam decisão. Genro defende benefício

Brasília

O governo italiano atua para reverter a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, que concedeu refúgio político no Brasil a Cesare Battisti, ex-terrorista italiano de extrema-esquerda preso em março de 2007 pela Polícia Federal no Rio de Janeiro. O Ministério de Relações Exteriores da Itália divulgou nota informando ter sido surpreendido com a decisão brasileira e pede que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva "reconsidere" a deliberação do ministro.

A chancelaria italiana afirma que a medida do governo brasileiro contraria o que já foi decidido pelo Comitê Nacional dos Refugiados, "que acatou o recurso de Cesare Battisti, um terrorista acusado de delitos gravíssimos que nada dizem respeito ao status de refugiado político", e pede que o presidente Lula reveja a decisão para que "possam promover, no quadro da cooperação judiciária internacional, a luta contra o terrorismo".

Ex-militante do grupo Proletários Armados para o Comunismo, Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália - em 1978 e 1979 - como autor ou coautor de quatro homicídios. Ele nega a autoria dos assassinatos.

A defesa de Battisti alega que não pôde exercer em sua plenitude o direito de defesa. Sustenta que as condenações decorrem de perseguição política do Estado italiano. Corre no Supremo Tribunal Federal pedido de extradição formulado pelo governo da Itália. Em novembro, o Ministério da Justiça negou pedido de refúgio feito pelo italiano. A decisão de Tarso é resultado de recurso formulado pela defesa de Battisti.

Justificativa

Genro defendeu ontem a decisão de conceder o refúgio político.

¿ Estou tranquilo de que tivemos a decisão correta, sem entrar no mérito do direito que tem o Estado italiano, e da fineza e da propriedade de considerar o Estado italiano um Estado democrático ¿ afirmou o ministro em viagem a São Paulo.

Segundo Genro, a decisão do Comitê Nacional dos Refugiados ainda não é definitiva e pode ser revista em outras esferas de poder. Tarso, que recentemente levantou a bandeira da punição aos torturadores do regime militar no Brasil, afirmou que seu passado de luta contra a ditadura não influenciou sua decisão.

¿ Não pesou, porque se pesasse o meu passado político eu não daria o refúgio ¿disse o ministro. Meu passado político não está vinculado a nenhum tipo de aceitação de ações da natureza das ações que são imputadas ao senhor Battisti.

Ele ainda lembrou que o Brasil já concedeu refúgio político em casos considerados por ele como "piores", como ao asilar o ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner em 1989.

¿ A decisão do Ministério da Justiça não está fazendo nada de mais do que já houve em relação a esse cidadão durante 11 anos na França. O Brasil não está fazendo nada de novo ao reconhecê-lo como refugiado ¿ disse Tarso, referindo-se ao tempo em que Battisti se refugiou no país europeu.

Tarso revelou ainda que avisou Lula a respeito da decisão que iria tomar. Segundo ele, Lula não entrou no mérito da questão, delegando a ele todas as responsabilidades sobre a decisão ministerial.

O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), informou ontem que vai pedir a convocação de Genro para explicar aos senadores a concessão do refúgio.

¿ O ministro adota dois pesos e duas medidas para suas decisões sobre concessão de asilo ¿ criticou o senador. ¿ Basta lembrar que ele ajudou a repatriar em 2007, com extrema rapidez, dois atletas cubanos que haviam abandonado a delegação de seu país durante os Jogos Panamericanos. Não se faz diplomacia com ideologia, e sim com bom-senso.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, também entrou na polêmica e encomendou um estudo sobre a legalidade da concessão de refúgio. O assunto também será levado para a plenária do Conselho Federal da OAB. Para Britto, o conteúdo da decisão do governo brasileiro é "político e ideológico". (Folhapress)