Valor Ecoômico, n. 5199, v.21, 03/03/2021. Política, p.A9

 

 

 

 

Bolsonaro veta e Congresso insiste no prazo para vacina

 

Proposta aprovada autoriza compra pelo setor privado

Por Raphael Di Cunto, Renan Truffi e Matheus Schuch — De Brasília

 

 

No dia em que o presidente Jair Bolsonaro vetou pontos de um projeto de conversão de medida provisória para acelerar a vacinação contra a covid-19 - como a diminuição do prazo para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) analise o registro dos imunizantes -, o Congresso Nacional insistiu na redução do prazo, aprovando nova redução em outra MP, no Senado, e autorizou a compra de doses pelo setor privado, na Câmara.

 

Bolsonaro vetou ontem, a pedido da Anvisa, a obrigação da agência aprovar em até cinco dias o uso emergencial de vacinas já admitidas por órgãos reguladores de outros países. O prazo fora incluído pelo Congresso na MP que autoriza a entrada do Brasil no consórcio Covax Facility, coordenado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O conteúdo principal foi sancionado por Bolsonaro.

 

Em nota, o Palácio do Planalto justificou que o dispositivo retirava competência do chefe do Executivo ao versar, por intermédio de emenda parlamentar, sobre criação ou definição de competências de órgãos e entidades do Poder Executivo, além de violar o princípio constitucional da separação dos Poderes e “contrariar o interesse público” pelo “prazo exíguo” para análise.

 

As regras em vigor hoje preveem que a Anvisa deve avaliar em até 10 dias os pedidos de uso emergencial de imunizantes. O Senado, contudo, aprovou ontem outra MP, já votada na Câmara na semana passada, para reduzir a sete dias úteis se já houver aval de agências estrangeiras.

 

O veto de Bolsonaro ainda será analisado pelo Congresso, que poderá derrubá-lo. Ainda não há data para essa sessão. O presidente da agência, Antonio Barra Torres, ameaça entrar no Supremo Tribunal Federal (STF) caso isso ocorra porque o prazo significaria uma “ameaça sanitária grave” ao país.

 

Até agora, a Anvisa concedeu registro definitivo para a vacina da Pfizer, por enquanto sem contrato no Brasil, e o uso emergencial da Coronavac, desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, e da AstraZeneca, produzido no Brasil pela Fiocruz.

 

Bolsonaro ainda vetou um segundo trecho da MP, o qual estabelecia que, no caso de omissão ou de coordenação inadequada das ações de imunização de competência do Ministério da Saúde, os Estados, os municípios e o Distrito Federal ficariam autorizados a adotar as medidas necessárias à imunização, cabendo à União a responsabilidade por todas as despesas. O Planalto argumentou que eram genéricos os termos “omissão” e “coordenação inadequada”.

 

Os deputados aprovaram ontem, em projeto de lei, texto parecido, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) que permite que Estados e municípios comprem vacinas para a população, sem precisar do governo federal. O STF já tinha autorizado essas compras caso o plano de imunização seja descumprido ou não exista cobertura imunológica suficiente contra a covid-19. Nessa proposta, porém, a União não ficará responsável por arcar com os custos.

 

O principal dispositivo do projeto foi autorizar que a iniciativa privada possa comprar os imunizantes, desde que destine parte para o Sistema Único de Saúde (SUS). O projeto prevê que, até atingida a vacinação de todos os grupos prioritários, 100% das vacinas compradas pelo setor privado terão que ser doadas ao SUS. Após a imunização desses grupos (que incluem profissionais de saúde, professores, idosos e policiais), a empresa terá que doar 50% dos imunizantes para o SUS e poderá aplicar o resto “de forma gratuita”.

 

Partidos de oposição criticaram a proposta, dizendo que isso significará furar a fila de vacinação. “Vacina é uma obrigação do Estado. Não podemos instituir duas portas de entrada”, disse a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA). Prevaleceu, porém, a posição s a favor da compra pela iniciativa privada. “Não faz sentido a gente criar embaraço para que uma empresa compre vacinas, se ela está doando para o SUS 50% das doses”, disse o líder do PV, Enrico Misasi (SP). (Colaboraram Marcelo Ribeiro, Vandson Lima e Juliano Basile)