Valor Econômico, n. 5199, v,21 , 03/03/2021. Política, p.A10

 

 

 

Flávio diz que recurso para comprar mansão veio da venda de imóvel

 

Senador afirmou que tinha consciência da repercussão negativa

Por Renan Truffi, Vandson Lima e Fabio Murakawa — De Brasília

 

 

Após adquirir uma mansão de aproximadamente R$ 6 milhões num bairro nobre de Brasília, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) disse ontem que a negociação foi feita com recursos provenientes da venda de outro imóvel. Além disso, segundo o filho do presidente da República, “mais da metade do valor da operação” foi viabilizada por meio de um financiamento junto ao Banco de Brasília (BRB).

 

“Qualquer coisa além disso é pura especulação ou desinformação por parte de alguns veículos de comunicação", diz um texto divulgado pela assessoria de imprensa do parlamentar. De acordo com documento registrado em cartório, Flávio Bolsonaro comprou a casa no início do ano, em 29 de janeiro, numa transação de exatamente R$ 5,97 milhões. A residência tem 2.400 m² e está localizada no setor de mansões Dom Bosco, região de alto padrão. Constam como compradores Flávio e sua esposa, Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro, com quem é casado sob comunhão parcial de bens. A vendedora é a RVA Construções e Incorporações.

 

O senador do Republicanos é investigado pela suposta existência de um esquema de desvios de recursos dos salários de seus assessores quando era deputado estadual da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Na investigação, ele é tratado como suspeito de realizar lavagem de dinheiro por meio da venda e compra de imóveis. Ele nega as acusações.

De acordo com o jornal “O Globo”, a certidão do imóvel registra a contratação de um financiamento junto ao Banco de Brasília para o pagamento de R$ 3,1 milhões. Isso significa que serão 360 prestações mensais, com taxas de juros entre 3,65% e 4,85%. Atualmente, Flávio ganha salário de R$ 33 mil mensais como parlamentar. Na prática, o valor da residência é quase quatro vezes o patrimônio declarado por ele nas eleições de 2018, quando informou possuir bens no valor total de R$ 1,7 milhão. Segundo simulação feita site do BRB, a renda líquida mínima (que pode considerar o salário de mais de uma pessoa) exigida para contratação de financiamento semelhante seria de R$ 46,8 mil. O valor da primeira parcela seria de cerca R$ 18,7 mil.

 

O senador criticou a imprensa por expor o que seria, nas palavras dele, “uma simples compra e venda de imóvel”. “Mais uma vez a imprensa tenta construir uma narrativa em cima de uma simples compra e venda de imóvel”, alegou. “Eu já sabia que isso podia acontecer, porque é comigo, mas não vou deixar de fazer nada na minha vida por medo de como a imprensa vai explorar ou distorcer isso.”

 

Em vídeo, o parlamentar repetiu que usou recursos da venda de um outro imóvel e de uma franquia no Rio - a mesma que estava sob investigação após o Ministério Público (MP) do Rio verificar que a loja recebeu R$ 1,6 milhão em espécie, o que poderia indicar “recursos ilícitos”. “Lamento que a imprensa exponha o endereço onde eu moro, exponha minha família em função disso”, disse.

 

O caso gerou especulações sobre a troca de comando no Banco do Brasil. Um dos cotados para o cargo é Paulo Henrique Costa, presidente do BRB. Fontes do Planalto dizem que ele segue cotado ao lado dos demais, apesar das suspeitas colocadas sobre o financiamento concedido. (Colaborou Mariana Ribeiro)

 

 

 

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Aquisição impede virada de página

 

Escândalo da ‘rachadinha’ estourou, com intervalo de dois anos, no mesmo dia - 18 de janeiro - da aquisição da mansão de R$ 6 milhões

Por César Felício — De São Paulo

 

 

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), primogênito da dinastia política que o presidente da República pretende sedimentar no país, parece ser uma pessoa atenta a simbolismos e efemérides. Deve ter sido essa a razão para adquirir, em meados de janeiro deste ano, uma mansão em Brasília por R$ 6 milhões. Provavelmente o senador quis exorcizar o peso da data. Foi em um 18 de janeiro, mas de 2019, que veio a público a informação de que Flávio era investigado no escândalo da rachadinha da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. E para exorcizar o aniversário, nada como combater fogo contra fogo, com mais uma transação imobiliária surpreendente para um político com a trajetória empresarial do senador.

 

Foram dois anos de anticlímax, em que o senador hipotecou seu futuro para travar a execução de seu passado. A partir do janeiro de 2019 o capítulo destinado a Flávio Bolsonaro na história do governo do pai começou a ser escrito, de modo pouco lisonjeiro: se a Carlos Bolsonaro se atribuiu a manipulação política das redes sociais e a Eduardo Bolsonaro, a comunhão com a extrema-direita global, ao filho mais velho coube um papel fundamental, ainda que passivo: foi em nome de sua preservação que, de crise em crise, da demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça à prisão de Fabrício Queiroz, Jair Bolsonaro se afastou do lava-jatismo e da escolha de ministros terrivelmente evangélicos para tribunais superiores.

 

A relação entre Judiciário e Executivo tornou-se outra. Depois de decisões favoráveis ao filho dadas por Dias Toffoli e Gilmar Mendes, no Supremo, e João Otávio Noronha, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o presidente tirou o pé do acelerador da crise institucional. Para garantir sua blindagem concessões foram feitas ao Centrão no Senado.

 

Neste começo de ano a ofensiva na Quinta Turma do STJ para o virtual sepultamento das investigações, com a anulação quase certa das provas obtidas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a respeito de movimentações inexplicadas nas contas do senador, poderia marcar um novo momento, em que o senador viraria a página mais obscura de sua biografia e quem sabe exercer outro tipo de protagonismo na dinastia.

 

A aquisição da mansão tão suntuosa quanto de gosto duvidoso, entretanto, mantém o livro aberto na mesma página. E o pedido de Flávio para que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) reforce a segurança em torno do imóvel, veiculado nas redes sociais, amarra o Palácio do Planalto ao Setor de Mansões Dom Bosco. Lá vai novamente o presidente em socorro a seu filho, no momento em que não consegue sair da armadilha política em que se meteu ao não comandar o combate à pandemia no Brasil. Espremido entre as cobranças do mercado para preservar a austeridade e do comando do Congresso para pagar as faturas por apoio político, Bolsonaro vê descortinar diante de si um novo flanco, tão amplo quanto a espetacular vista da varanda da suíte do filho em seu novo lar.