Valor Econômico, n. 5200, v.21, 04/03/2021. Brasil, p.A6

 

 

 

Covid avança e indica colapso generalizado pelo Brasil

 

Especialistas veem cenário de colapso se aproximar e pregam medidas restritivas em âmbito nacional para frear alta de casos e de mortes por covid

Por Leila Souza Lima e Ana Conceição — De São Paulo

 

O país caminha para um colapso generalizado do sistema de saúde e a perspectiva é que, em muito pouco tempo, se chegue à marca de 2 mil mortos por dia por covid-19, avaliam especialistas ouvidos pelo Valor. Essa escalada só seria evitada, defendem eles, se o governo federal assumisse de imediato a coordenação nacional do combate à crise sanitária, recomendando à população o isolamento social, o uso de máscaras e a adesão à vacinação em massa.

 

Embora afirmem que o ideal seria que o Executivo federal decretasse já uma medida muito próxima a um lockdown nacional, médicos e sanitaristas já não acreditam mais numa mudança de postura por parte do governo Jair Bolsonaro. E dizem que os próximos capítulos da pandemia no Brasil serão marcados por semanas muito difíceis.

 

Ontem, o Brasil bateu um novo e trágico recorde: 1.840 mortes por covid-19 em 24 horas, segundo dados compilados pelo consórcio de veículos de imprensa. (leia Casos e mortes aceleram e batem novo recorde)

 

Uma amostra do que pode vir a ser um colapso generalizado na rede de saúde já é sentido em hospitais -- públicos e privados -- pelo país onde a ocupação de leitos de terapia intensiva se aproxima do limite.

 

Em menos de duas semanas, passou de 13 para 19 o número de unidades da federação com mais de 80% dos leitos de UTI ocupados por pacientes com covid-19, segundo boletim da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com base no dia 2 de março. Sete Estados estão na zona de alerta intermediária, com 60% a 80% dos leitos ocupados.

 

Apenas Sergipe, com 59% está fora da zona de alerta.

Os Estados com piores índices são Santa Catarina, com 99% dos leitos ocupados, Rondônia (97%), Goiás (95%), Pernambuco e Ceará (93%). Em São Paulo, a ocupação chegou a 74%.

 

Nas capitais, 20 das 27 estão em situação crítica diante da disparada de casos da doença. Porto Velho (100%), Curitiba e Goiânia (95%), Natal e Teresina (94%), Rio Branco e Campo Grande (93%), Manaus e Fortaleza (92%) e Brasília (91%) registram a pior situação. São Paulo tem 76% dos leitos de UTI ocupados.

 

“A sobrecarga nos sistemas de saúde é uma preocupação desde o início da pandemia e agora os dados são muito preocupantes”, diz o boletim da Fiocruz, que alerta que os números relativos às UTIs são apenas a “ponta do iceberg”.

 

Para abrandar as curvas de transmissão e dos óbitos, uma saída seria algo muito próximo de um lockdown nacional.

 

“O lockdown foi o que funcionou no mundo inteiro na primeira onda, desde o exemplo chinês, até o modelo alemão. E experiências na Europa também mostraram que relaxar de maneira desorganizada é perigoso. Vimos os exemplos de Portugal e da Alemanha. Assim como esses países evidenciaram que retomar o isolamento mais restritivo funciona. Então, já não havia dúvidas sobre a eficiência desse recurso do ponto de vista técnico”, diz Claudio Maierovitch, epidemiologista e médico sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz.

 

Secretários de saúde defendem um toque de recolher a partir das 20h, que precisaria sera dotado pelo governo federal.

 

A avaliação é que em mesmo medidas restritivas locais como as adotadas ontem pelo governo de São Paulo serão suficientes para produzir efeito amplo de aplacar a pandemia no país.

 

“Não existe mais uma área protegida no país, como vimos na primeira onda da pandemia. Para completar, tivemos o início da circulação das variantes do coronavírus, não só de Manaus, mas as de outras procedências. Nós completamos uma tempestade perfeita já faz duas semanas, quando vimos pequenas e médias cidades entrarem em colapso", ressalta Eliseu Alves Waldman, professor do Departamento de Epidemiologia da Escola de Saúde Pública da USP.

 

Para ele, a única solução seria um lockdown nacional acordado por lideranças de todas as esferas do poder. “Mas a verdade é que deveremos ter uma piora generalizada do quadro. E mesmo com as medidas adotadas agora, não sei se os efeitos virão rapidamente, dado ao ponto que chegamos", afirma Waldman. “Estamos muito próximos de ver 2 mil mortos, talvez em menos de duas semanas.”

 

 

 

 

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Casos e mortes aceleram e batem novo recorde

 

Média movel de óbitos é a maior da história pelo quinto dia desde sábado

 

O Brasil teve 1.840 mortes por covid-19 em 24 horas até as 20h de ontem, maior número desde o início da pandemia. Os mortos pela doença já somam 259.402.

 

A média na semana móvel foi de 1.332 por dia, 29% mais que no período anterior. Foi o quinto dia seguido de recorde na média móvel. Já são 42 dias seguidos com média de mortes acima de mil e o quarto dia seguido com mais de 1,2 mil.

 

O país tem 10.722.221 contágios confirmados. Ontem, até 20h, foram confirmados mais 74.376. A média na semana móvel é de 56.602 novos diagnósticos por dia, 27% mais que na semana anterior. O total de vacinados com a primeira dose até agora se limita a 3,47% da população.

 

Dezesseis Estados e o Distrito Federal estão com alta nas mortes: PR, RS, SC, SP, DF, MS, AC, PA, TO, AL, BA, CE, MA, PB, PI, RN e SE.

 

O consórcio de veículos de imprensa é formado pelos jornais “O Globo”, “Extra”, “Folha de S.Paulo” e “O Estado de S. Paulo”, bem como os portais UOL e G1.

 

Os dados são apurados junto às secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal. Diariamente o consórcio divulga três boletins, às 8h, 13h e 20h.

 

O número levantado pelo Ministério da Saúde é ainda maior, de 1.910 mortes em 24 horas, até 18h, com total de 259.271 vítimas fatais. Os dados do ministério incluem mortes que o consórcio já computou no dia anterior.

 

Os casos confirmados somam 10.718.630, sendo 71.704 diagnósticos computados ontem. Foi o segundo maior registro diário de casos da pandemia (o primeiro é de 7 de janeiro, com 87,8 mil casos) pelos dados do ministério.

 

São 9.591.590 pacientes recuperados da doença e 867.769 sob acompanhamento, segundo o ministério. São Paulo é o Estado com mais mortes (60.381) e casos confirmados (2.068.616) de covid-19. Minas Gerais é o segundo com mais casos (893.645) e o Rio é o segundo com mais óbitos (33.362).