Valor Econômico, n. 5200, v.21, 04/03/2018. Brasil, p.A8

 

 

 

 

 

PIB recua 4,1% e vê onda otimista ceder

 

Alta no 4º tri é robusta, mas piora da pandemia e vacinação lenta são entraves para acelerar retomada

Por Arícia Martins, Ana Conceição, Marta Watanabe e Hugo Passarelli — De São Paulo

 

 

A rápida recuperação da economia brasileira no segundo semestre não foi suficiente para evitar uma retração sem precedentes em 2020: duramente afetada pelas restrições à circulação especialmente no segundo trimestre, a economia encolheu 4,1% no ano passado, pior resultado da série histórica das Contas Nacionais do IBGE, iniciada em 1996. É consenso entre economistas que sem medidas como o auxílio emergencial o tombo teria sido bem maior. Para a primeira metade de 2021, a expectativa é de um desempenho negativo, devido à combinação de piora da pandemia, vacinação lenta, suspensão do auxílio e incertezas fiscais.

 

Mesmo tendo perdido fôlego após a retomada em “V” no terceiro trimestre, a economia mostrou desempenho ainda robusto nos últimos meses três meses de 2020, sustentada pelas políticas de compensação de renda do governo e, também, pela maior normalização das atividades no período. Impulsionado por esses dois fatores, o PIB superou as estimativas do mercado e cresceu 3,2% de outubro a dezembro na comparação com o trimestre anterior, feitos o ajuste sazonal.

 

Com o crescimento mais forte nos últimos meses do ano, o chamado carregamento estatístico deixado por 2020 foi um pouco mais alto do que o previsto, ficando em 3,6%. Isso significa que, se o PIB ficar estável, ainda assim encerrará o ano atual com alta de 3,6% sobre a média do ano passado.

 

Em condições normais, a ajuda maior poderia ter desencadeado revisões para cima nas projeções para o PIB neste ano, mas as mudanças nas estimativas, que seguem concentradas na faixa de 3%, foram poucas e bastante tímidas. Diante do recrudescimento da pandemia, da lentidão na vacinação e da piora nas condições financeiras, muitos analistas esperam queda da atividade no primeiro trimestre.

 

Uma nova retração no segundo trimestre - que configuraria uma recessão técnica - não é considerada totalmente contratada. Esse risco, contudo, ronda o primeiro semestre, e pode se materializar se o aumento de casos e mortes continuar, sem melhora na administração de vacinas.

 

“A gente ainda está um pouco abaixo do nível pré-pandemia, mas já estamos acima do vale do pior momento da economia, que foi o segundo trimestre”, afirmou Rebeca Palis, gerente de Contas Nacionais do IBGE, ao apontar que o PIB está em patamar 1,2% inferior ao quarto trimestre de 2019.

 

“Uma onda de otimismo estava sendo formada no quarto trimestre, mas ela ficou para trás”, disse Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Cemap-EESP/FGV). A economia estava ganhando ritmo no fim do ano passado, aponta Marçal, o que seria positivo, não fosse a segunda onda da pandemia a atingir o país neste primeiro trimestre.

 

A demanda doméstica - que soma o consumo das famílias, o consumo do governo e os investimentos dentro do PIB - mostrou comportamento ainda favorável nos últimos três meses de 2020, observou Tatiana Pinheiro, economista-chefe da BNP Paribas Asset Management . Em seus cálculos, a absorção interna subiu 5,8% sobre o trimestre anterior, ou 4,3% excluindo a importação contábil de plataformas de petróleo.

 

“Tivemos um quadro de demanda ainda forte. Além do auxílio emergencial, houve a influência de todos os demais programas que ainda estavam vigorando no quarto trimestre, com políticas de expansão fiscal e monetária”, afirmou Tatiana. Outro fator que explicou a dinâmica positiva foi o arrefecimento da covid-19 e a consequente reabertura maior das atividades, acrescentou. Neste início de ano, porém, o quadro se inverteu, ressaltou Tatiana: a maior parte dos estímulos foi retirada e a pandemia se agravou, o que aponta para queda do PIB de janeiro a março, entre 0,5% e 0,8%. Além disso, o aperto das condições financeiras, como reflexo do aumento da percepção de risco-país, também tem impacto negativo sobre a atividade, ao afetar as decisões de investimento e consumo.

 

Levando em consideração apenas o desempenho do quarto trimestre, a herança estatística deixada por 2020 elevaria a estimativa para o crescimento deste ano em cerca de 0,7 ponto percentual, calcula a equipe econômica para Brasil do J.P. Morgan. No entanto, o banco avalia que o recrudescimento da pandemia e seus efeitos sobre a economia devem anular boa parte da ajuda dada pelo carregamento estatístico. Por isso, a projeção para a alta do PIB em 2021 foi aumentada em somente 0,1 ponto, para 3,2%.

 

“Com uma segunda onda severa de covid e aumento da incerteza política, a economia deve se enfraquecer significativamente, o que deve reduzir o crescimento no primeiro e no segundo trimestres”, destacaram os economistas Cassiana Fernandez e Vinicius Moreira. Para a instituição, o PIB vai cair 1,5% entre janeiro e março, retração a ser seguida de alta fraca, de 0,4%, no trimestre seguinte.

 

Os riscos políticos e da pandemia justificam a preocupação com a recuperação deste ano, na visão de Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, que agora trabalha com contração de 0,9% e 0,4% da economia no primeiro e no segundo trimestres, respectivamente. A previsão abaixo do consenso de crescimento para o ano, de 2,6%, não foi alterada.

 

O cenário da consultoria, disse Vale, engloba um primeiro semestre afetado pela pandemia e um segundo semestre influenciado pelos desdobramentos de um governo mais intervencionista, com impacto em câmbio, inflação, juros e investimento. O economista ressaltou, ainda, que o carregamento estatístico de 3,6% pode ser enganoso: nos últimos 25 anos, lembra, em oito deles o resultado do ano foi pior do que essa herança indicava, em torno de 1,4 ponto percentual.

 

Já o economista Luka Barbosa, do Itaú Unibanco, avalia que o efeito estatístico será relevante para explicar o crescimento estimado de 4% para o PIB em 2021. O banco é uma das poucas instituições que contam com alta da economia no primeiro trimestre, de 0,3%, previsão ainda preliminar. “Para o PIB ser negativo no primeiro trimestre, a produção industrial teria de cair bastante em janeiro, fevereiro e março e não vemos isso ocorrendo.”

 

Para Tatiana, da BNP Paribas Asset, o “carry over” coloca um leve viés de alta na projeção de expansão de 2,8% para o PIB no ano. O quadro, porém, é de cautela, diz ela, diante das condições financeiras mais apertadas e da evolução da pandemia. Por isso, por ora, o número está mantido. (Colaboraram Alessandra Saraiva e Lucianne Carneiro, do Rio)

 

 

 

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PIB per capita cai 4,8%, maior queda desde 1981, diz Ibre

 

Resultado é o pior da série histórica do IBGE iniciada em 1996

Por Lucianne Carneiro — Do Rio

 

 

A forte recessão significou uma queda de 4,8% Produto Interno Bruto (PIB) per capita brasileiro no ano passado, para R$ 35.172, o pior desempenho desde o início da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), iniciada em 1996. Diante da magnitude da perda e da expectativa de crescimento fraco da economia a curto prazo, economistas estimam longo caminho pela frente para recuperar essas perdas.

 

O PIB per capita é um indicador usado para medir a riqueza dos países e é calculado a partir da divisão do valor do PIB pela população total. A retração de 4,8% em 2020 fecha uma década que significou uma perda de 5,5% do PIB per capita. No período, as perdas mais intensas ocorreram, além de 2020, em 2015 (4,4%) e em 2016 (4,1%), anos também de recessão. Pelas contas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), que une séries mais antigas do PIB, a perda de 2020 é a mais intensa desde 1981 (-6,3%).

 

“Tivemos uma queda forte em 2020 e também muito significativa na década. Com isso, levaremos alguns anos para reconstruir o PIB per capita, com uma implicação social imensa. A população está empobrecendo, ficando mais informal e, no meio de tudo isso, ainda há a questão da influência da tecnologia no mercado de trabalho. É uma preocupação grande para os próximos anos”, afirma o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

 

Economista da LCA Consultores e pesquisador do Ibre/FGV, Bráulio Borges reforça que o recuo de 4,8% do PIB per capita no ano passado ocorreu a partir de um patamar já deprimido. “O maior nível do PIB per capita ocorreu no início de 2014. No fim de 2014, já estávamos 6,6% abaixo daquele nível. Com o desempenho de 2020, isso se acentuou e o patamar atual está 11,7% do pico da série de PIB per capita”, diz.

 

Na projeção da MB Associados, o PIB per capita deve avançar 1,9% em 2021, considerando a estimativa de alta de 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Nas contas de Bráulio Borges, que leva em consideração uma expansão média de mercado de 3,5% do PIB, o ritmo seria um pouco maior, de 2,8%. Já a Ativa Investimentos projeta uma variação entre 2,2% e 2,5% do PIB per capita este ano. Todas as projeções ficam longe de recuperar só o ano de 2020, quanto mais as retrações passadas. Como as estimativas de expansão do PIB também não apontam aceleração do ritmo para 2022 e 2023, isso se repete no caso do PIB per capita.

 

As preocupações dos economistas também se estendem aos impactos da pandemia sobre o capital humano, que afetam a produtividade da economia e sua capacidade de crescimento. “A pandemia destruiu capital humano em vários aspectos. Há quem ache que o capital humano seja apenas a educação formal, mas vai além disso, inclui também as habilidades adquiridas no ambiente de trabalho e questões de saúde, inclusive a mental. As pessoas que ficam fora do mercado por um, dois anos têm uma perda grande”, aponta Bráulio Borges.

 

Economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez também vê um cenário lento de recuperação do PIB per capita diante da expectativa de recuperação muito gradativa da economia brasileira. Ele lembra que um crescimento maior da economia facilitaria uma melhor distribuição de renda no país, mas aponta que o patamar atual do PIB per capita sugere que já haveria espaço para isso. “Só que existe uma dificuldade muito grande do processo distributivo com um Estado que gasta mal e de forma engessada, com grande parte destinada a despesas obrigatórias. A necessidade das reformas entra também nesse contexto”, aponta.