Valor Econômico, n. 5200, v.21, 04/03/2021. Política, p.A12

 

 

 

 

Ação de Lira freia articulação no Senado para tirar Bolsa Família do teto de gastos

 

Novo texto de PEC estabelece limite de até R$ 44 bilhões para gastos com auxílio emergencial

Por Vandson Lima, Renan Truffi, Marcelo Ribeiro e Isadora Peron — De Brasília

 

 

Com mais mudanças no texto final, o Senado encaminhou ontem a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que prevê gatilhos para a contenção de gastos públicos e regras para a retomada do pagamento do auxílio emergencial. O governo poderá gastar até R$ 44 bilhões com o benefício, sem que isso seja contabilizado nas despesas correntes. Em um aceno aos governadores, também foi ampliado até o fim de 2029 o prazo para que Estados e municípios paguem dívidas relativas a precatórios (dívidas judiciais).

 

Além das concessões, o governo precisou da ajuda do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para frear uma articulação de senadores governistas, que pretendiam incluir um dispositivo para que o Bolsa Família ficasse de fora do teto de gastos, abrindo um espaço de R$ 34,9 bilhões no Orçamento. A ideia era que o montante atendesse a emendas parlamentares para custear obras de infraestrutura. A equipe econômica alarmou-se e o ministro da Economia, Paulo Guedes, teve de apelar ao presidente Jair Bolsonaro e parlamentares para evitar a manobra.

 

“Esta fala é para deixar bem claro que todas as especulações que rondaram o dia de hoje são infundadas. Tanto o Senado quanto a Câmara votarão as PECs sem nenhum risco ao teto de gastos, sem nenhuma excepcionalidade ao teto de gastos”, afirmou Lira, logo após reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e o chefe da assessoria de Relações Institucionais, Esteves Colnago. Os líderes do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), e o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), também participaram do encontro.

 

Em discurso no plenário, o relator da PEC, Márcio Bittar (MDB-AC), também afirmou que não teria problema em defender a retirada do Bolsa Família do teto de gastos, mas não houve acordo. “Se o Bolsa Família tivesse que ficar fora do teto, eu não teria dificuldade de relatar e defender. No entanto, o voto não é apenas meu. Eu represento o voto daquilo que é a construção do consenso. E acharam maneiras de atender o parlamento e o Executivo, tendo por princípio o equilíbrio entre aprovarmos uma PEC que atende aqueles que precisam, mas, ao mesmo tempo, olha para o mercado e dá uma resposta, dizendo que a gente faz uma PEC que não extrapola os limites que a economia neste momento acha que são fundamentais”.

 

Bittar flexibilizou o prazo de vigência dos gatilhos fiscais. A proposta original estabelecia que, quando decretado o estado de calamidade pública, medidas como reajuste de salários dos servidores públicos e criação de cargos, entre outras, ficariam vedadas por até dois anos após a data do decreto. A última versão do texto diz, no entanto, que essas regras terão vigência apenas durante a calamidade.

 

“Considero pertinentes as sugestões de que a persistência das vedações fiscais do art. 167-G seja mantida apenas durante a situação de calamidade pública de âmbito nacional, e não estendida além do seu término”, escreveu na complementação o relator.

 

Como justificativa, ele afirmou que é preciso confiar que Estados e municípios terão ponderação. “Existem repercussões fiscais das calamidades que estendem-se além do seu termo final, mas é preciso confiar que os entes - a começar da União - terão a ponderação adequada para preservar a alocação adequada de recursos para lidar com os efeitos colaterais da reconstrução dos efeitos da calamidade”.

 

Apesar disso, os Estados e municípios que não cumprirem todas as medidas previstas pelos gatilhos fiscais ficarão impedidos de terem acesso a empréstimos ou aval da União e fundos para a contratação desses recursos. “Essa [vedação], cremos, será um importante incentivo para que os entes enfrentem o difícil, porém imprescindível, desafio de reequilíbrio de suas contas”, complementou Bittar.

 

No caso dos Estados e municípios, os gatilhos poderão ser acionados quando as despesas correntes estiverem acima de 85% das receitas correntes. O acionamento será opcional e deverá ser submetido posteriormente ao crivo do Legislativo, de forma parecida a uma medida provisória - terá validade até ser votada, num prazo de até 180 dias (seis meses).

 

No caso do governo federal, os gatilhos estão atrelados ao teto de gastos e serão modificados pela PEC para serem ativados sempre que se perceber, na votação da lei orçamentária, que essa regra será descumprida - quando mais de 95% das despesas primárias foram obrigatórias, sem margem para corte. Hoje o acionamento ocorreria só após o descumprimento. Diferentemente do que ocorrerá com os Estados e municípios, o gatilho do governo federal não será facultativo e valerá individualmente para cada um dos Poderes.

 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, afirmou que passou a “madrugada” negociando mudanças na PEC emergencial. Ele, no entanto, disse que o Poder Judiciário não quer privilégios e é solidário com a manutenção do equilíbrio fiscal do país. “Nenhum privilégio, nenhuma prerrogativa, porque acho que temos que estar juntos e solidários com o Brasil neste momento tão difícil”, disse. “Nós também lutamos pelo equilíbrio fiscal, por todas as medidas adotadas pela manutenção do seu equilíbrio econômico-financeiro e posterior desenvolvimento econômico”.

 

Segundo o Valor apurou, Fux tem conversado com parlamentares desde o início da semana sobre a PEC emergencial. O ponto que mais preocupa o presidente do STF é o que prevê cortes lineares nos orçamentos dos Poderes em caso de queda da arrecadação.