Título: Os Estados Unidos de Barack Obama
Autor: Dirceu, José
Fonte: Jornal do Brasil, 15/01/2009, Sociedade Aberta, p. A9

Qualquer que seja o resultado final da gestão de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos, já não há nenhuma dúvida de que sua eleição foi um fato extraordinário e marcará o século 21. Nem tanto por ter derrotado o Partido Republicano ou seu candidato, John McCain, mas pelo fato histórico de ser o primeiro negro a governar os Estados Unidos, um fato revolucionário e que era considerado ficção há 10 anos ­ tanto que foi tema de um filme que deixou registrado para a posteridade como a história da humanidade é escrita e feita pela vontade e pela determinação dos povos e não determinada de antemão.

Ao andar pelas ruas das cidades norte-americanas e pelas quadras de Nova York, nos damos conta de quanta luta, sofrimento, lágrimas e sangue custaram aos negros e negras dessa grande nação conquistar esse simples direito de ir e vir, de se locomover em igualdade de condições com os brancos e brancas. Só assim poderemos entender o entusiasmo e a paixão de dezenas de milhões de norte-americanos que transformaram a vitória de Obama, não apenas na derrota e no fracasso do governo Bush e do Partido Republicano, das doutrinas que defenderam e praticaram, mas também num movimento cívico e político inovador e pleno de esperanças.

Assim, a vitória de Obama, independente do governo que realize, das promessas que cumpra, ou não, já representou uma mudança no mundo. Nossa esperança e de todo mundo é que os Estados Unidos, agora, abandone sua política externa guerreira e unilateral, retome o caminho das Nações Unidas e da comunidade internacional, deixe o Iraque e o Afeganistão, retome as negociações sobre o Tratado de Kyoto na ótica do Partido Democrata tão bem representada pelo ex-vice-presidente Al Gore, e reconheça o Tribunal Penal Internacional, começando por fechar as prisões violadoras dos direitos humanos e dos tratados internacionais, como a de Guantánamo. E mais: suspenda o injusto e criminoso embargo contra Cuba, tantas vezes condenado pelas Nações Unidas; que evite o protecionismo e retome as negociações de Doha, reconheça o G-20 e busque soluções de consenso para a atual crise internacional, começando pela regulação do sistema financeiro internacional e pela reorganização das entidades internacionais, como a ONU,o Bird, o FMI e a OMC.

No plano interno, há uma demanda real da sociedade americana e basta ler, ver e ouvir os noticiários e conviver com os americanos, de um basta no poder das grandes corporações e de seus executivos, ainda que muitas vezes esse discurso seja associado ao populismo e à demagogia de jornalistas e políticos de ambos os partidos. Mas a realidade nua e crua é que a atual crise marcou o fim de uma era nos EUA e será resolvida, como está sendo, pela intervenção do Estado e pelo uso e abuso do dólar como moeda internacional e dos déficits orçamentários, e ainda das dívidas interna e externa do país.

Tudo está sendo válido para evitar o pior, que ninguém sabe o que será, já que o desemprego e a recessão já chegaram, mi- lhões de americanos estão perdendo não apenas os empregos, mas as aposentadorias e suas casas, e nada parece indicar que a crise esteja chegando ao final. A expectativa dos cidadãos desse país é que o governo cuide do emprego, dos mutuários, da pequena e média empresa, invista na infraestrutura e em tecnologia, na energia limpa, e cuide da saúde pública, dos aposentados e dos que nessa nação, apesar de sua riqueza, não têm um teto e um emprego. São dezenas de milhões de americanos que vivem na pobreza. Os jovens e as mulheres, os aposentados e os trabalhadores, os negros e negras, que acreditaram em Barack Obama, estarão de olhos voltados para sua capital, onde o primeiro negro norte-americano, um afro-americano, de origem muçulmana, tomará posse na Presidência da maior potência dos últimos séculos. Que Deus salve a América.