Valor Econômico, n. 5201, v.21, 05/03/2021. Brasil, p.A3

 

 

 

Mulheres com filhos têm menos presença no mercado de trabalho

 

Em lares com crianças pequenas, 54,6% delas possuem ocupação, ante 67,4% das demais

Por Lucianne Carneiro e Alessandra Saraiva — Do Rio

 

 

A presença de crianças pequenas, de até três anos, reduz de forma significativa a participação das mulheres no mercado de trabalho. Em lares com crianças de até três anos, o nível de ocupação das mulheres de 25 a 49 anos era de 54,6% em 2019. No caso de domicílios sem crianças nessa faixa etária, a taxa era de 67,4%. A tendência do nível de ocupação é oposta entre os homens: maior nos lares com filhos pequenos (89,2% em 2019) e menor nos demais (83,4%). A realidade pouco mudou desde 2012: naquele ano, o nível de ocupação era de 53,3% para as mulheres com filhos pequenos e de 65,4% entre as mulheres sem filhos até três anos.

 

Os dados fazem parte do estudo “Estatísticas de Gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e que mostra as desigualdades entre homens e mulheres em diferentes aspectos, como mercado de trabalho, educação, saúde e direitos humanos.

 

A baixa oferta de creches públicas e o maior tempo dedicado às tarefas domésticas e aos cuidados com a família colaboram para essa menor inserção da mulher no mercado de trabalho. Essa situação acaba restringindo a renda das famílias, que sentem o efeito em qualidade de vida. Apenas 35,6% das crianças de até três anos frequentavam escola ou creche em 2019.

“É preciso ter políticas públicas para a oferta de creches e mais oportunidades para que as mulheres consigam se inserir no mercado de trabalho, já que elas são as mais demandadas com as tarefas domésticas e os cuidados”, diz o analista do IBGE André Simões.

 

Em 2019, as mulheres dedicaram 21,4 horas por semana aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos, quase o dobro de tempo que os homens (11 horas). Há uma diferença grande também entre as próprias mulheres, em função da renda. As mulheres com mais renda - do grupo das 20% com os maiores rendimentos - gastam 18,2 horas por semana com tarefas domésticas, quase seis horas a menos que aquelas que estão entre as 20% com os menores rendimentos (24,1 horas).

 

Outra dimensão da desigualdade entre homens e mulheres se dá na participação em cargos públicos e gerenciais: elas continuam como minoria nessas funções, embora sejam mais da metade da população brasileira.

 

No caso de deputadas federais, por exemplo, apesar do aumento entre 2017 (10,5%) e 2020 (14,8%), o Brasil é o país da América do Sul com a menor proporção de mulheres exercendo mandato parlamentar na Câmara dos Deputados e ocupa a 142ª posição de um ranking com 190 países. As mulheres são 32,2% das candidaturas para o cargo de deputado federal, número muito próximo da cota mínima por lei (30%). Entre as candidaturas com receita superior a R$ 1 milhão, elas eram também minoria (18%). A realidade se repete na esfera municipal: as mulheres eram 16% dos vereadores em 2020. Houve aumento em relação a 2016, quando eram 13%.

 

“Os estudos eleitorais mostram que candidaturas com mais recursos e o fato de já ser parlamentar ajudam. Acaba virando um ciclo vicioso, já que as mulheres têm uma baixa participação”, explica Luanda Botelho, responsável pelo estudo.

 

Além disso, há sub-representação de mulheres pretas ou pardas em cargos públicos. Embora mulheres pretas e mulheres pardas representassem, respectivamente, 9,2% e 46,2% das mulheres na população em 2019, alcançaram 5,3% e 33,8% das cadeiras nas câmaras municipais obtidas pelas mulheres nas eleições de 2020.

 

A menor participação das mulheres também é nítida entre os cargos de chefia, tanto no setor público quanto no privado. Em 2019, 62,6% dos cargos gerenciais eram ocupados por homens e 37,4% pelas mulheres em 2019. A discrepância era ainda maior nos cargos de renda mais alta (grupo dos 20% com mais rendimento): homens ocupam 77,7% dos cargos de liderança, e as mulheres, 22,3%. “As mulheres estão mais sub-representadas em cargos gerenciais mais bem remunerados e com potencialmente mais responsabilidades”, diz Luanda.

 

 

 

 

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Instrução continua superior à dos homens

 

Mulheres ainda são minoria nas carreiras tecnológicas

Por Lucianne Carneiro e Alessandra Saraiva — Do Rio

 

 

As mulheres brasileiras são mais instruídas que os homens e com mais acesso ao ensino superior, mas ainda são minoria em áreas ligadas às ciências exatas, como engenharia e tecnologia da informação, e também entre os docentes de universidade. O retrato está presente na pesquisa “Estatísticas de Gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, divulgado pelo IBGE.

 

Na população com 25 anos ou mais, 19,4% das mulheres e 15,1% dos homens tinham nível superior completo em 2019. A parcela da população com instrução vem avançando, mas as mulheres se mantêm nos últimos anos com maior grau de instrução. Em 2012, eram 14% das mulheres com ensino superior e 10,9% dos homens. A única faixa etária em que há mais homens que mulheres com ensino superior é aquela acima dos 65 anos ou mais, o que mostra as restrições do acesso à educação em décadas passadas, aponta o IBGE.

 

Quanto mais jovens as mulheres, maior é o acesso ao nível superior. No grupo de 25 a 34 anos, 25,1% das mulheres tinham nível superior e 18,3% dos homens. Já na faixa entre 35 e 44 anos, as taxas são de 24,4% e 17,3%, respectivamente. No grupo de 45 a 54 anos, 19,4% das mulheres tinham nível superior e 13,8% dos homens. Entre 55 e 64 anos, os índices são de 15,5% e 13%, respectivamente, mostrando uma distância menor, também em função da realidade diferente no passado.