Valor Econômico, n. 5201, v.21, 05/03/2021. Brasil, p.A4

 

 

 

Empresas temem falências e demissões

 

O descaso com o que o governo do presidente Jair Bolsonaro tratou da pandemia desde seu início traz agora medidas de restrição mais duras pelo país com reflexos diretos para a sobrevivência de empresas dos setores de serviços, comércio e indústria

Por Arícia Martins, Hugo Passarelli e Alessandra Saraiva — De São Paulo e Rio

 

 

O descaso no combate à pandemia de covid-19 cobrou seu preço. Uma escalada de mortes pela doença em meio ao colapso generalizado da infraestrutura hospitalar no país levou a restrições mais duras de circulação. Com isso, empresas dos setores de serviços, comércio e indústria que começavam a pagar dívidas e a recuperar-se de prejuízos temem uma nova onda de fechamento de empresas, demissões e inadimplência. Todos pedem medidas de apoio, como prorrogação de linhas de crédito e suspensão temporária no pagamento de impostos, para enfrentar as consequências e as incertezas provocadas pela segunda onda da pandemia no Brasil.

 

Há também quem, como a Federação das Associações Comerciais de São Paulo, defenda lockdowns localizados, com “critérios para evitar sacrifícios além do necessário”.

 

Entidades ligadas ao comércio e serviços, em especial aqueles que dependem mais de circulação de pessoas, disseram temer pela sobrevivência das empresas. Em 2020 foram fechadas 75 mil, maior número desde recessão de 2016. A incerteza é tão grande que a Confederação Nacional do Comércio e Serviços (CNC) trabalha com três cenários, mas nem no mais otimista deles o número de lojas abertas compensaria as perdas do ano passado. No Rio, bares e restaurantes ameaçam não quitar a folha de salários que vence hoje e estimam pelo menos mil demissões por semana.

 

A situação é especialmente grave para as pequenas empresas. Nas indústrias de menor porte, a pressão extra com a alta dos insumos e o desabastecimento de matérias-primas se alia ao acesso mais restrito ao crédito e à demanda já enfraquecida. Quase um quinto da pequena indústria depende do cheque especial para capital de giro, segundo o sindicato da categoria, o Simpi. O setor, assim, como comércio, quer a prorrogação da carência das parcelas do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). Para a FecomercioSP, a medida seria importante para garantir, durante as duas semanas que devem durar a fase vermelha no Estado, a sobrevivência de pequenas empresas, que representam cerca de 95% do setor.

 


A entidade ainda calcula que a fase vermelha do Plano SP vai gerar uma perda de faturamento de cerca de R$ 11 bilhões em março. Representantes de bares e restaurantes do país preveem queda de 30% na receita do primeiro trimestre relação ao ano passado e já reduziram a expectativa para o faturamento do ano em R$ 20 bilhões, para R$ 215 bilhões.

 

Ainda na indústria, sem um avanço da vacinação no país, o setor deve perder o vigor demonstrado no fim do ano passado e início deste, quando já houve alguma perda de dinamismo por causa do fim dos estímulos como o auxílio emergencial, diz o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin. “Podemos entrar em um período de crescimento muito irregular, a depender da abertura ou fechamento da economia, mesmo que, no agregado do ano, a indústria tenha algum crescimento”. As incertezas, afirma ele, vão bater na atividade de uma forma geral.

 

Mas as opiniões sobre o desempenho da indústria brasileira são desiguais. Para alguns, como Rodrigo Nishida, da LCA Consultores, mais que os lockdowns, a percepção de aumento de risco e a pressão no câmbio e na inflação são fatores que podem complicar o desempenho das empresas. Para outros, como Luana Miranda, do Ibre-FGV, a piora da pandemia pode esfriar a recuperação do setor industrial pelo canal da perda de renda das famílias, que afeta o consumo.

 

 

 

 

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Estrangulado, setor de serviços segura retomada

 

 

Começo de ano já complicado se agrava com piora da pandemia e deixa a recuperação da economia para mais tarde

Por Arícia Martins — De São Paulo

 

 

Representantes dos setores de comércio e serviços já não esperavam um começo de ano fácil devido à queda de renda causada pelo fim dos estímulos fiscais, mas foram surpreendidos com o novo agravamento da pandemia e voltaram a rever projeções de faturamento para baixo. Como os serviços representam quase 73% do Produto Interno Bruto (PIB) e são os mais afetados pelas medidas de distanciamento, a maior duração do quadro atual pode diminuir ainda mais as perspectivas para o crescimento econômico neste ano.

 

O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) cortou recentemente a projeção para a expansão do PIB em 2021, de 3,6% para 3,2%, e o novo número já tem viés de baixa, afirma a pesquisadora Luana Miranda. O cenário atual conta com duas quedas seguidas no primeiro e no segundo trimestres, ambas de 0,5%, que serão influenciadas principalmente pela atividade dos serviços.

 

No terceiro trimestre, a expectativa é de alta de 1,7% do PIB, mas o atraso na vacinação, que pode prolongar ainda mais as restrições à circulação, coloca dúvidas em relação a essa estimativa, diz Luana. “Temos muita preocupação a respeito do segundo semestre. Pelas condições atuais, já está dado que o primeiro e o segundo trimestres serão difíceis, mas isso pode se estender para o terceiro trimestre”, alerta ela, que destaca a imunização da população como essencial para que os serviços tenham retomada mais forte.

Para a LCA Consultores, o PIB dos serviços vai crescer 2,5% no ano, menos que os 3,2% previstos para a média da economia. “A projeção mostra o impacto que o setor ainda sentirá dessas restrições às circulação, como uma reedição do que vimos no ano passado”, comentou o economista Rodrigo Nishida. “Com o fechamento da economia, no ano passado e agora em 2021, as pessoas preferiram consumir bens industriais do que serviços, mesmo porque muitos deles não estavam disponíveis”, acrescentou.

 

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) afirma que é difícil projetar a magnitude da retomada do consumo presencial nos próximos meses, devido à evolução da crise sanitária. Por isso, a CNC trabalha com três cenários diferentes para 2021. Dentro do PIB, a atividade do comércio é um componente dos serviços.

 

No cenário-base, que inclui alguma redução do isolamento ante dezembro de 2019, as vendas teriam avanço de 5,9% sobre 2020, e o setor reabriria 16,7 mil novos pontos de venda. Em uma hipótese mais otimista, no qual o isolamento retornaria aos níveis pré-pandemia, o volume de vendas cresceria 8,7% e 29,8 mil estabelecimentos seriam abertos. Por fim, em quadro mais pessimista, no qual o confinamento se mantém ligeiramente abaixo do patamar de dezembro de 2020, o saldo entre abertura e fechamento de lojas seria positivo em 9,1 mil unidades no ano. No ano passado, 75 mil lojas fecharam.

 

“A retomada não ocorreu conforme o previsto e continuamos experimentando as consequências e o agravamento da situação, com o retorno de medidas que incluem o fechamento de estabelecimentos”, diz José Roberto Tadros, presidente da CNC.

 

Devido à piora da pandemia, a entidade enviou ofício nesta quarta ao Ministério da Economia e à Federação Brasileira de Bancos (Febraban), pedindo a prorrogação para pagamento dos empréstimos do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).

 

Segundo Fabio Pina, assessor econômico da FecomercioSP, a medida seria importante para garantir a sobrevivência de pequenas empresas, que representam cerca de 95% do setor, ao período de maior fechamento das atividades. “Ninguém está questionando as decisões sanitárias, mas o fato é que o tecido social está bastante combalido”, diz.

 

O e-commerce ganhou espaço em meio à pandemia, afirma Pina, mas ainda tem participação muito pequena no varejo paulista, de cerca de 4%. Com as lojas de rua fechadas, a entidade calcula que a fase vermelha do Plano São Paulo vai gerar uma perda de faturamento de cerca de R$ 11 bilhões em março. “A expectativa é que em meados de março já possamos ter um retorno gradativo das atividades, mas, se isso ocorrer só em abril, já teremos que refazer as contas.”

Essa também é a avaliação da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), diz Paulo Solmucci, presidente da entidade, que espera relaxamento das restrições a partir do dia 15 deste mês.

 

Mesmo assim, a interrupção no funcionamento dos estabelecimentos em várias cidades desde janeiro já afetou a atividade do setor, que passou a prever faturamento de R$ 215 bilhões em 2021 - R$ 20 bilhões a menos do que a projeção anterior.

 

“Estamos prevendo queda na ordem de 30% do faturamento no primeiro trimestre em relação ao primeiro trimestre de 2020”, relata Solmucci.