Valor Econômico, n. 5201, v.21, 05/03/2021. Brasil, p.A4

 

 

 

Atraso na imunização faz país perder ainda mais sintonia com ritmo global

 

Queda das importações desaclopa indústria brasileira das cadeias internacionais de valor

Por Marta Watanabe — De São Paulo

 

 

O atraso na vacinação contra covid-19 não deve sujeitar o Brasil a sanções comerciais, mas é mais um fator a prejudicar a imagem do país, o que pode afetar negociações de acordos com outros países e blocos, avaliam analistas. O efeito mais imediato do atraso no controle da covid-19 é o impacto na economia doméstica, o que, do ponto de vista de comércio exterior, deve reduzir importações e tornar-se uma trava adicional para a indústria aproveitar a esperada retomada do comércio internacional, dado o descompasso entre o Brasil e os principais mercados na superação da pandemia.

 

O superávit na balança comercial de 2021 não está ameaçado, dizem analistas, mas o descompasso contribui por uma dependência maior de commodities na pauta exportadora, o que limita a expansão de atividades e a geração de empregos.

 

O atraso na vacinação não deve suscitar sanções comerciais, mas corrobora para uma imagem negativa do Brasil no cenário internacional, já desgastada pela agenda ambiental, avalia Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). “Isso pode resultar em dificuldade de negócios de forma geral, porque impacta relações diplomáticas, podendo influenciar na negociação de acordos.”

 

Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), também avalia que sanções comerciais não devem ser aplicadas, mas o atraso na vacinação piora o ambiente se o país quiser ter voz ativa nas negociações.

 

Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), sanções comerciais de outros países são remotas, mas o atraso na vacinação afeta o comércio exterior. “Há menos recursos disponíveis para programas como o Proex, de financiamento às exportações.” Para ele a pandemia é prioridade, mas o ritmo de vacinação aquém do esperado dificulta a retomada da indústria. “O superávit na balança comercial este ano virá principalmente de exportação de commodities, que estão com preços elevados. O mundo é que está fazendo o Brasil ter um momento das exportações.”

 

Com dependência maior de commodities, diz Welber Barral, estrategista de comércio exterior da Ourinvest, não se agrega valor na indústria doméstica, o que resulta em menor criação de empregos e menor crescimento.

 

Para aproveitar esperada recuperação do mercado mundial, diz Cagnin, as empresas precisam ter condições de modernização, o que não é possível com atividade econômica fraca e irregular, sem perspectivas de retomada e nem condições de financiamento. É importante, diz, que a indústria esteja preparada para um comércio internacional mais intensivo em tecnologia e de maior valor agregado. Ele lembra que no ano passado, segundo dados levantados pelo Iedi, os setores mais intensivos em tecnologia foram os que mais tiveram perdas na exportação.

 

A exportação da indústria de alta tecnologia caiu 37,2% em 2020 contra o ano anterior, em queda muito maior que a da média da indústria de transformação, que recuou 12%, diz Cagnin. Já os ramos da indústria de média-alta tecnologia tiveram retração de 21,6%. Intensificada com a pandemia, a perda resulta numa desintegração e desacoplamento da indústria brasileira das cadeias internacionais de valor, aponta o economista.