Valor Econômico, n. 5201, v.21, 05/03/2021. Política, p.A8

 

 

 

“Chega de frescura, de mimimi”, diz presidente sobre pandemia

 

Bolsonaro critica medidas de isolamento social e afirma que a população precisa enfrentar o vírus

Por Matheus Schuch — De Brasília

 

Diante do agravamento da pandemia e de novas medidas de restrição de atividades pelo país, o presidente Jair Bolsonaro subiu o tom das críticas a governadores e prefeitos, reclamou de ter sua autoridade “castrada” pelo Supremo Tribunal Federal e bradou que é hora de deixar de “mimimi” e “frescura” em relação à doença que já matou mais de 260 mil pessoas no Brasil.

 

Bolsonaro foi a São Simão (GO), ontem, inaugurar um trecho da ferrovia Norte-Sul. Exaltado, deixou de lado a obra para discursar contra as medidas de isolamento social e afirmou que a população precisa enfrentar o vírus.

 

“Vocês não ficaram em casa, não se acovardaram”, disse o presidente, dirigindo-se a trabalhadores rurais que acompanhavam a cerimônia. “Nós temos que enfrentar os nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando? Temos que enfrentar os nossos problemas”, disse, no momento em que o Ministério da Saúde registra recordes diários de mortes por covid-19.

 

A atividade econômica precisa manter seu ritmo, segundo o presidente, para que o Brasil não corra o risco de sofrer um caos social. “Onde vai parar o Brasil se nós pararmos? A própria bíblia diz ‘não temas’. Todos nós vamos sofrer se não tomarmos as medidas certas e com coragem”, frisou. Em outro trecho da sua fala, defendeu que o isolamento deveria ser exclusivamente para idosos e pessoas com outras doenças, como forma de garantir proteção aos mais vulneráveis.

 

“Só com nossa economia funcionando e não ficando todo mundo em casa, como querem alguns governadores, é que podemos sonhar com dias melhores. Sem dinheiro, sem emprego, estamos condenados à miséria, fracasso, morte, a distúrbios e saques”, afirmou. “Não fiquem me acusando de fazer aglomeração, em todo lugar tem. Vamos combater o vírus, mas não de forma ignorante, burra, suicida”.

 

 

Inconformado com o fechamento do comércio e de parte do setor de serviços, Bolsonaro voltou-se contra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu a governadores e prefeitos adotarem medidas de isolamento social em suas respectivas regiões. Porém a decisão, de abril de 2020, não limitou as ações ou eximiu o governo federal de responsabilidade na condução de políticas públicas de combate à pandemia. “A grande maioria tem que trabalhar. Quando se fala essa em ‘essa atividade é essencial, aquela não’... Atividade essencial é toda aquela necessária para o chefe de família levar o pão para dentro de casa”, opinou.

 

O presidente também reclamou de ter sua autoridade “castrada”. “Eu fui eleito para comandar o Brasil, espero que este poder me seja restabelecido. Eu sou um democrata, criticam decisões que tomam contra mim e eu não reajo”, argumentou. “Os Três Poderes são importantes, cada vez mais precisamos saber os nossos limites. Para eu atravessar a Praça dos Três Poderes e ir ao Legislativo ou Judiciário, no meio do caminho tem o povo. Povo que eu jurei lealdade absoluta e tem que conduzir o Brasil.”

 

Bolsonaro desembarcou em Uberlândia (MG), onde foi recebido por um grupo de apoiadores que protestavam contra o isolamento. Sob aplausos e risos da plateia, o presidente rebateu críticas sobre demora na aquisição de vacinas. “Tem idiota que diz 'vai comprar vacina'. Só se for na casa da tua mãe! Não tem para vender no mundo”, sustentou. “Alguns governadores queriam direito a comprar vacina e quem iria pagar? Eu! Onde tiver vacina para comprar, nós vamos comprar”.

 

Bolsonaro referia-se à medida provisória sancionada nesta semana por ele para o ingresso do Brasil no consórcio Covax Facility. Um trecho que permitia aos gestores estaduais comprar doses em caso de omissão do Ministério da Saúde foi vetado.

 

A Polícia Militar mineira prendeu ontem em Uberlândia um jovem de 24 anos, que fez postagens no Twitter incitando a morte do presidente Jair Bolsonaro. A polícia considerou que João Reginaldo da Silva Júnior incitou a prática de crime contra a segurança nacional.No Twitter, o jovem publicou “Gente, Bolsonaro em Udia amanhã...

Alguém fecha virar herói nacional?”. A publicação teve algumas respostas concordando com a ideia. Rubens Avendano Ferreira respondeu com a frase “Só preciso da arma”. Vitória Mércia dos Santos respondeu “Lembrando que tem que torcer a faca em pessoal!!”. E Luiz Gustavo Queiroz afirmou “Bolsonaro se vier a Uberlândia voltará pra casa num caixão, não é ameaça é comunicado”.

 

Os nomes foram descobertos pelo serviço de inteligência da Polícia Militar, que fez o rastreamento nas redes sociais e identificou a publicação, que classificou como uma ameaça à segurança nacional. A polícia prendeu em flagrante João Reginaldo em sua casa. Os demais não foram localizados nos endereços rastreados pelo serviço de inteligência. Questionado na delegacia, o jovem confirmou ser o autor da publicação. (colaborou Cibelle Bouças, de Belo Horizonte)