Valor Econômico, n. 5201, v.21, 05/03/2021. Mundo, p.A9

 

 

 

Pobreza extrema atinge o maior nível em 20 anos na América Latina

 

Se não fossem os programas de estímulo e auxílio emergencial dos governos, a Cepal estima que a América Latina teria mais 21 milhões vivendo na pobreza - número superior à população do Chile, de 19 milhões

Por Marsílea Gombata — De São Paulo

 

A crise econômica causada pela pandemia elevou a pobreza na América Latina, mas os planos de estímulos adotados por alguns países impediram uma alta maior. Segundo o relatório Panorama Social da América Latina 2020, da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), divulgado ontem, a pobreza chegou a 33,7% no ano passado na região. Sem as medidas de proteção, poderia ter alcançado 37,2%.

 

De acordo com o documento, a pobreza na região subiu de 30% em 2019 para 33,7% no ano passado, enquanto a pobreza extrema passou de 11,3% para 12,5%

 

Essas cifras indicam que a região retrocedeu 12 anos em relação à pobreza e 20 em relação à pobreza extrema, afirma Simone Cecchini, da divisão de desenvolvimento social da Cepal. Ele alerta que, sem ajuda dos governos, a taxa de pobreza extrema poderia ter chegado a 15,8%.

 

A Argentina foi o país onde a pobreza mais cresceu no ano passado. O total de pobres foi de 27,5% para 37%. Sem medidas de apoio do governo, essa taxa seria de 38,8%, segundo a entidade.

 

O segundo país onde a pobreza mais avançou foi no México - de 41,5% para 50,6%. O governo mexicano praticamente não lançou mão de pacote de estímulos para apoiar a economia frente à crise.

 

No Brasil, a pobreza diminuiu com o auxílio emergencial dado no ano passado. O total de pobres passou de 19,2% para 16,3%. Sem a ajuda do governo, a taxa de pobreza chegaria a 24%.

O Chile foi o país que teve a menor alta da pobreza no ano passado.

A taxa passou de 10,7% para 10,9%. Além do apoio fiscal, o governo liberou saques parciais das aposentadorias.

 

Se não fossem os programas de estímulo e auxílio emergencial dos governos, a Cepal estima que a América Latina teria mais 21 milhões vivendo na pobreza - número superior à população do Chile, de 19 milhões. “Estamos falando de uma diferença considerável, de milhões que não caíram na pobreza graças a essas medidas”, afirma Cecchini.

 

A Cepal considera pobres quem recebe US$ 144 por mês. Quem ganha até US$ 67 por mês vive na pobreza extrema.

 

No relatório, a entidade afirma que os governos da região implementaram 263 medidas de proteção social de emergência no ano passado, que atingiram 49,4% da população. Isso representa 84 milhões de domicílios ou 326 milhões de pessoas.

 

Mesmo assim, o desemprego acelerou na América Latina, indo de 8,1% em 2019 para 10,7% no fim do ano passado.

 

Cecchini argumenta ainda que a pandemia acelerou o aumento da desigualdade, processo que já vinha ocorrendo na região desde 2014, e atingiu com mais força os trabalhadores informais e as mulheres.

 

Ele afirma que os 20% mais pobres na América Latina viram a renda cair 42%. Na faixa intermediária, essa queda foi de aproximadamente 20%. No grupo dos 20% mais ricos, a redução foi de 7,5%.

 

“Estima-se que 80% da população na região receba até US$ 288 por mês, o que as deixa mais vulneráveis durante uma crise como a que estamos passando”, acrescenta Cecchini.

 

A Cepal estima que a América Latina tenha contraído-se 7,7% no ano passado. Para este ano a previsão é de expansão de 3,7%.